Brasil, que erradicou a doença no fim do século passado, não pode abrir a guarda, diante da descoberta de uma amostra do vírus em Campinas
O
Brasil erradicou a poliomielite em 1989, dois anos antes de o último
caso da doença ter sido notificado na América Latina, onde o vírus que a
provoca também está sob controle. O índice de vacinação da população brasileira
está em torno de 95%, positivo resultado de um programa de imunização
que cobre todo o território do país. A mais recente campanha nacional,
com aplicação de vacinas em crianças na faixa entre 6 meses a 5 anos, as
mais suscetíveis, realizou-se há um ano, e a próxima já está marcada
para novembro.
São
números que tranquilizam as autoridades de saúde quanto ao acerto das
medidas internas para resguardar 100% das crianças da polio, causadora
de paralisia irreversível, com uma taxa de letalidade de 10%. Mas mesmo
esses indicadores não podem levar o país a baixar a guarda diante da
descoberta em Campinas
de uma amostra do vírus transmissor da doença. Ainda que a própria
Organização Mundial de Saúde — que alertou para a inquietante
identificação do material recolhido no aeroporto internacional da cidade
— tenha considerado baixo o risco de transmissão, é crucial reforçar as
barreiras de contenção e manter em alerta o sistema de vigilância. Há,
no caso, aspectos que transcendem o viés puramente sanitário do
problema, e que precisam ser considerados.
Um deles é que manter inalterada a curva de erradicação da doença implica preservar a eficiência dos mecanismos de controle, terreno
principalmente da gestão — o que não é o forte do poder público, em
particular o governo federal. No caso específico da Saúde, O GLOBO
chamava a atenção, em abril, para o risco de a desorganização existente
na rede de serviços públicos contaminar o programa de prevenção a
doenças transmissíveis. Falhas nas compras e no planejamento de produção
embutiam, na época, a ameaça de desabastecimento de imunizantes — a
ponto de o país enfrentar, àquela altura, um racionamento inédito e
dissimulado na distribuição de vacinas e soros aos estados.
Outro
aspecto a ser levado em consideração tem a ver com a especificidade do
vírus identificado em Campinas. Segundo a OMS, a cepa do poliovírus é
semelhante à recentemente isolada na Guiné Equatorial, na África
Ocidental. É evidente o perfil de “intercâmbio cultural” nesse caso — ou
seja, com a doença erradicada no Brasil, e sendo o aeroporto da cidade
paulista um grande entreposto internacional, tudo indica que a origem da
amostra não é nativa. É preciso observar que a Guiné está numa região
do planeta onde a OMS decretou, em maio, estado de emergência contra a
poliomielite.
Por
fim, como derivante deste último aspecto, o do intercâmbio, o Brasil
sedia uma Copa, com turistas de todo o mundo, porta aberta para a
importação de doenças transmissíveis. Não deixa de ser tranquilizante
que a OMS e as autoridades brasileira minimizem os riscos da descoberta
do vírus. Mas é importante que o sinal de alerta não só esteja ligado,
mas que seja levado a sério.
Fonte: oglobo