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Após salvar jovem e receber ajuda, morador de rua deixa casa e emprego

Homem presenciou estupro de menina de 16 anos e avisou a polícia.
Ele recebeu ajuda e começou a trabalhar, mas voltou ao vício. 
Proprietária deu emprego a Everton em clínica (Foto: Reprodução/Clínica Veterinária Valle di Assisi)
Após começar a trabalhar e alugar uma casa, o morador de rua que salvou uma adolescente vítima de estupro em Porto Alegre abandonou o local, levando aparelhos de TV e de som, e voltou a usar crack. 

Ele havia deixado o vício há cerca de 15 dias, quando avisou a polícia sobre a violência contra a menina. Depois do ato de heroismo, recebeu ajuda e até ganhou um emprego em uma clínica veterinária. Entretanto, diferentemente dos últimos dias, não apareceu para trabalhar no local às 8h desta quarta-feira (29).

A proprietária da clínica veterinária, Silvia Mara, ajudou Everton Pereira, de 35 anos, desde que soube do ato que o homem havia protagonizado. Na noite de domingo (13), ele percebeu que a menina de 16 anos era violentada por dois homens próximo à Usina do Gasômetro, em Porto Alegre.

 Mesmo vendo que um deles estava armado, Everton tentou interceder e foi até a polícia, evitando que o crime tivesse um final ainda mais trágico. Com isso, salvou a vida da jovem, que chegou a ficar em estado grave no hospital, mas agora está fisicamente bem e se recupera em casa.
Silvia Mara com Everton durante o período que ele trabalhou na sua clínica veterinária (Foto: Arquivo pessoal) 
Silvia Mara com Everton durante o período que ele
trabalhou na sua clínica (Foto: Arquivo pessoal)
 
O auxílio de Silvia começou com vacinas gratuitas aos seis filhotes da cadela que Everton cuidava. Ela abrigou os animais em sua clínica veterinária. Atualmente, quatro ainda estão disponíveis para adoção, além da mãe. Segundo a veterinária, após a ajuda com os cães, o morador de rua foi ao local e pediu para começar a trabalhar. Juntos, conseguiram alugar uma casa em uma vila da cidade e a mobiliaram. A noite de terça para quarta seria a primeira dele na residência.

“Ele estava sendo sempre muito pontual. Chegava às 8h. Estava bem e convicto. Por isso a gente tinha esperança de que fosse dar certo. Mas eu falava para ele tomar cuidado",  disse Sílvia ao G1.
Veterinária Valle di Assisi (Foto: Reprodução/Clínica Veterinária Valle di Assisi) 
Everton atuava como auxiliar na clínica veterinária
(Foto: Reprodução/Clínica Veterinária Valle di Assisi)
 
Everton atuava como auxiliar na clínica. Passava por diferentes tarefas, desde dar alimentação aos animais até fazer a limpeza do local. Seu último pedido, conforme Silvia, era atuar no banho e tosa, mas a proprietária e os funcionários queriam esperar um pouco mais para lhe dar novas responsabilidades. Na última semana, haviam feito os documentos dele para que pudessem assinar a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).

"A gente botou televisão, geladeira, aparelho de som na casa. E nessa noite vendeu quase tudo. Usou a bicicleta que emprestaram para ele. Quando era 8h30 e ele não havia aparecido, liguei para o seu Adão [proprietário do imóvel] e pedi para que desse uma olhada. Logo depois, me ligou com essa notícia triste”, lamentou a dona da clínica. Ela crê que os objetos levados foram vendidos para a compra de drogas.
Adão Everton crack Porto Alegre (Foto: Paula Menezes/G1) 
No local de onde o televisor foi retirado, ficou uma
foto de Everton com o filho(Foto: Paula Menezes/G1)
 
O proprietário da casa conta que a residência que Everton ficaria está localizada nos fundos de seu terreno. Ele percebeu uma movimentação durante a madrugada, mas relata que não viu o inquilino sair com objetos do local. “Eu o vi saindo de madrugada e chegando de manhã cedo, mas não tinha nada com ele. Hoje de manhã, depois que a Silvia me ligou, fui ali e percebi que a porta estava encostada. Quando entrei, não tinha mais a tv, nada. E nem a bicicleta que emprestei para ele”, completa Adão.

Um outro vizinho também observou movimentação estranha durante a madrugada. "Saí 5h40 para levar minha mulher na parada de ônibus. Então notei que o portão da frente estava aberto, até estranhei, mas a casa estava fechada. Aí vi o seu Adão [proprietário] saindo depois das 7h. Botei o lixo ali na frente, tomei um banho, saí de novo e notei que a porta estava aberta. Foi nesse instante que ele deve ter saído", diz Roberto Ramos da Silva.

Silvia quer registrar ocorrência pelo desaparecimento de Everton. Teme não encontrá-lo com vida. Ela ressalta, porém, que não perdeu a fé. “Ele continua sendo um herói. É muito difícil. Eu nunca venci o vício do crack. Não é a primeira vez que ajudo e que vejo isso acontecer. Mas é importante que as pessoas não sejam preconceituosas, que não façam comentários maldosos”, aponta.

A crença na recuperação era tanta que Everton havia criado forças para visitar os dois filhos, de 11 e 12 anos, e a mulher. No final de semana, viajou para São Lourenço do Sul, na Região Sul do estado. Ficara feliz com o reencontro, lembra Silvia. Nesta quarta, depois de saber do ocorrido, a proprietária da clínica recebeu um telefonema da família.

“A mulher dele me ligou e relatou que já passou muitas vezes o que eu estava passando agora. Eu também passei, quando ajudei outros. Mas hoje é uma sensação de perda muito grande”, lamenta, emocionada.

Morador de rua foi à delegacia após testemunhar estupro
O estupro ocorreu na noite do dia 12 de outubro, quando a menina foi levada de uma festa por dois homens e violentada nas imediações da Usina do Gasômetro, em Porto Alegre. Alertada por moradores de rua, a polícia prendeu os dois agressores: um jovem de 25 anos e um homem de 56 anos, que ainda tentou fugir e atirou contra a polícia.

A menina foi internada no Hospital Fêmina na noite de domingo e teve dois dias depois. Na ocasião, o pai diz que tem vontade de chorar quando começa a imaginar o que aconteceu com sua filha. "Ficou marcado. Minha mulher só chora. Aos poucos estamos nos recuperando. É difícil para um pai", desabafa.

O homem acredita que se não fosse Everton e os outros moradores de rua que estavam com ele, as consequências seriam ainda piores. "Hoje o ser humano vê alguém ser assaltado e faz que não vê, nem por medo, mas por não ter compromisso com outro ser humano. E eles se preocuparam em se deslocar até a polícia para avisar. Se não fossem eles, poderiam até ter matado ela, depois de consumarem o ato", avalia.
Adão Everton crack Porto Alegre (Foto: Paula Menezes/G1) 
Adão Everton saiu da casa alugada para ele, deixando a antena do televisor levado (Foto: Paula Menezes/G1)
 
 
Fonte: G1