Fuzil e metralhadora em Redenção, metralhadora em Fortaleza, fuzis em
Missão Velha e em Porteiras. Estas são algumas das muitas notícias de
apreensões de armas, que aconteceram nos últimos meses, no Ceará.
A
razão da acessibilidade a elas está geograficamente distante de nós: o
acordo de paz entre os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (Farc) e o Governo e a execução do 'Rei da Fronteira'
Brasil/Paraguai.
Conforme uma fonte da Secretaria de Segurança Pública e
Defesa Social (SSPDS), por conta dos acontecimentos o Primeiro Comando
da Capital (PCC) dominou uma rota promissora.
No dia 15 de junho de 2016, Jorge Rafaat Toumani, um brasileiro, de
Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, que morava em Pedro Juan Caballero,
na fronteira do Paraguai com o Brasil, foi assassinado. Um carro roubado
na Argentina interceptou o Jeep Hammer blindado que ele dirigia e
vários tiros de uma metralhadora ponto 50 foram disparados. Um
ex-militar do Rio de Janeiro foi preso, suspeito de ser um dos
atiradores.
Disfarçado de grande empresário, Jorge Rafaat seria na verdade um
grande fornecedor de droga do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro
Comando da Capital (PCC). Porém, havia notícias de que ele estaria se
desentendendo com as facções, por conta das negociações. O título de
'Rei da Fronteira' teria sido herdado de 'Fernandinho Beira Mar', quando
ele foi preso, no ano de 2002.
Em tom profético, José Mariano Beltrame, então secretário de Segurança
Pública do Rio de Janeiro, antecipou praticamente tudo o que aconteceria
ao Brasil com a execução do traficante, em entrevista concedida ao
Jornal O Globo, em 17 de junho de 2016.
"Ele era antigo fornecedor de drogas e armas do Paraguai, não permitia e
não gostava que brasileiros se estabelecessem no País. Foi morto de
forma cinematográfica. Temos relatórios informando que uma facção de São
Paulo está no Paraguai há bastante tempo. Se isso está acontecendo,
teremos brasileiros deste grupo de traficantes trazendo armas e drogas
até São Paulo. De lá serão distribuídas para o País todo. É algo muito
sério. O Brasil, como nação, precisa tomar uma providência", disse
Beltrame.
Quando ainda se davam os desdobramentos do assassinato, a Colômbia
selou um acordo de paz entre o Governo e as Farc, no qual os
guerrilheiros deveriam entregar suas armas. Este processo foi
oficialmente iniciado, no último 3 de março, porém muitos
revolucionários se desfizeram antes do armamento. Seriam estes os fuzis e
metralhadoras que estariam chegando ao Brasil, inclusive ao Ceará, pela
rota que era de Jorge Rafaat e hoje é do PCC.
Ligações
Conforme a fonte da SSPDS, ao dominar a fronteira ficou muito mais
fácil para o PCC adquirir as armas das Farc e dos antigos fornecedores
de Rafaat. "Mataram para controlar a rota de tráfico de droga, mas onde
existem grandes esquemas de droga, existe tráfico de armas. Isso,
infelizmente, não acontece a longo prazo. Eles dominam a rota e já
começam a operar. As armas das Farc já chegaram, estão aqui".
O PCC já tinha uma rota pela Bolívia, que chegava ao Brasil pelo Mato
Grosso; outra que partia da Colômbia e entrava no Brasil por Tabatinga,
no Amazonas. Agora, tem a do Paraguai que entra aqui por Foz do Iguaçu.
Um militar, que há anos trabalha nas Células de Inteligência da SSPDS,
disse que o Ceará é um ponto importante no tráfico de drogas e, como as
armas vêm nos mesmos carregamentos, tem chegado muita coisa aqui. "Pela
posição geográfica, a Capital mais próxima da Europa é Natal, mas
Fortaleza tem um porto mais estruturado, então a logística sai mais
barata. Arrisco dizer que mais da metade da cocaína que sai do Brasil
para a Europa e a África está em contêineres que saem do porto cearense.
Depois que as fiscalizações foram intensificadas no Aeroporto de
Guarulhos, viramos o plano A dos traficantes", pontuou.
Conforme o militar, as facções têm meios organizados para fazer com que
a droga e as armas cheguem a seus aliados, em todos os estados. "Aqui
no Ceará até em alto-mar já foi flagrado gente recebendo arma e droga de
facção".
Ele explica que as gangues menores fazem uma espécie de consórcio para
adquirir armas junto às facções que são aliadas. "Geralmente, as 'bocas
de fumo' de uma comunidade se juntam e compram um fuzil ou uma
metralhadora, para o caso de ser preciso se defender de um possível
ataque de outra facção. Aqui tem arma pesada no Lagamar, Sapiranga,
Edson Queiroz, Paupina, Bom Jardim, Conjunto Palmeiras. E tudo isso é
comprado por intermédio do PCC ou CV. Enquanto policial, nunca imaginei
ver uma situação dessas. Nunca imaginei que essas armas pesadas fossem
chegar às mãos de tanta gente", declarou.
Desvalorização
A fonte de SSPDS diz que chegou tanto fuzil em Fortaleza que o preço
caiu. Um fuzil que custava, em média R$ 50 mil, agora custa R$ 30mil,
conforme o servidor. As metralhadoras ponto 50 que pertenceram ao
Exército da Bolívia, capazes de furar blindagem e derrubar helicóptero,
são as mais almejadas atualmente, mas custam em média R$ 250 mil.
"Tem quem compre arma para si, mas a maior parte desse armamento
pertence à facção e é rotativo, ou seja, pode ser alugado. Quando os
bandidos estão organizando alguma ação fazem um consórcio e dividem os
gastos, inclusive com o aluguel das armas. O Ceará tem duas ponto 50
fixas, mas no Nordeste tem cerca de 10 delas para serem alugadas e podem
acabar sendo usadas aqui".
O servidor lembra que o Ceará não foi o único Estado atingido pelas
negociações do PCC, mas ressalta que aqui os reflexos já são
perceptíveis. "As negociações estão sendo feitas porque além do PCC ter o
controle das rotas, é uma facção extremamente bem capitalizada. Aqui no
Ceará tem criminoso com representação nacional no PCC e eles conseguem
fácil o armamento, basta ter o dinheiro para pagar. O que vemos no
Ceará, hoje, são os traficantes e assaltantes de banco armados, no
mínimo com um fuzil AK-47, que é uma arma de guerra. Esse fuzil era a
arma preferida do Bin Laden, aquela que ele aparecia em todos os vídeos.
É fácil de manusear, tem alto desempenho, pode molhar, cair na areia,
nada impede dela atirar. É uma arma excelente".
Presos no controle
A fonte diz que a Polícia tem feito seu trabalho, mas o Sistema
Carcerário acaba virando uma "grande reunião para criminosos". "São eles
que dão ordens no tráfico de armas. Parece piada, mas são os presos que
decidem o que vai acontecer aqui fora. Não adianta prender, porque lá
dentro eles se reúnem, planejam grandes ações e dão ordens aos
subordinados que estão aqui fora para executarem", revela.
O servidor afirma que o crime organizado é um ciclo: assaltam banco
para se capitalizar e comprar droga, entregam a droga para pequenos
traficantes, que vedem aos usuários e na cobrança desses entorpecentes
matam quem fica devendo.
"Eles têm dinheiro, têm poder, têm influência em quase toda
Instituição. Fazem o que querem porque não respeitam a legislação.
Passam por cima de tudo e fazem o que achar conveniente para a facção.
Em contrapartida, o trabalho da Polícia é burocrático. Um policial que
entrar hoje na PM ou Polícia Civil do Ceará, talvez se aposente sem ver
um fuzil novo chegar para ele trabalhar. Coisa que o crime não precisa
enfrentar, para eles terem um fuzil e apontarem para a cara da Polícia
basta pagar".
PF já investiga as rotas das armas
"As rotas são reais e existe a hipótese de tudo isso estar acontecendo.
Não é uma coisa descabida, consideramos bem plausível. Já é constatável
que essas armas estão entrando aqui em quantidade bem maior que
outrora", afirmou o delegado Francisco Martins, da Delegacia de
Repressão a Crimes Contra o Patrimônio (Delepat), da Polícia Federal, a
respeito da morte do 'Rei da Fronteira' e do acordo das Farc estarem
refletindo no Brasil, e no Ceará.
Segundo ele, a PF já tem investigações neste sentido, aqui no Estado.
"Geralmente, as armas chegam aqui em caminhões. Partem das Fronteiras em
barcos para superar limitações geográficas regionais, mas dentro do
Brasil se espalham por via terrestre. Eles preferem cargas de difícil
manuseio e colocam cinco, seis fuzis. São várias pessoas que estão
trazendo", explicou.
Francisco Martins revela que este não é o primeiro momento em que é
potencializada a chegada de armas ao Ceará. Segundo ele, com as ações
das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, muitos
criminosos nordestinos que viviam lá voltaram. "Eles voltaram trazendo
uma bagagem muito grande, que obtiveram nos morros cariocas. Trouxeram
armas e isso também representou um impacto".
O delegado lembra que as fronteiras brasileiras são extensas, em sua
maioria secas e na selva e isto dificulta as fiscalizações realizadas
nestas áreas. "São milhares de quilômetros. Não tem, infelizmente, uma
solução a curto prazo. Existe mecanismos de controle e nós estamos
fazendo isso. A PF tem programas em calhas de rios e se consegue muita
apreensão e muita informação por lá".
Farc
Francisco Martins diz que não acredita em uma parceria duradoura entre
PCC e os antigos integrantes das Farc, mas acha que eles podem agir de
forma pontual. "Os guerrilheiros vão vender o que têm. Embora as
quantidades sejam grandes, não são perenes. Essa negociação uma hora vai
acabar. O que pode acontecer é que esse comércio gere outras ações
planejadas. Porque não gerenciar um grande assalto, ou sequestro?
Tememos que esse elo de comunicação entre esses organismos criminosos
dos dois Países fomente outros tantos crimes", declarou.
Fonte: Diário do Nordeste
