Interlocutores autorizavam a destinação de emendas parlamentares, inclusive de terceiros, para prefeituras previamente cooptadas, mediante "pedágio" de 12% sobre o valor total
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O deputado federal Junior Mano (PSB) teve “participação central” na organização criminosa que usava recursos públicos para comprar votos em diversas cidades cearenses. A informação foi repassada pela Polícia Federal (PF) ao Supremo Tribunal Federal (STF), e embasou decisão do ministro Gilmar Mendes que autorizou operação contra o parlamentar nesta terça-feira (8). O PontoPoder teve acesso ao documento e destaca, a seguir, os indícios apontados pela corporação.
Segundo relatório da PF, “a atuação do parlamentar extrapola a esfera meramente política, configurando-se como operador ativo da engrenagem criminosa”. A conclusão foi tirada a partir de mensagens trocadas entre Bebeto Queiroz (PSB), prefeito cassado de Choró, e interlocutores ligados ao deputado.
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Os indícios colhidos ao longo da investigação mostram que o grupo autorizava a destinação de emendas parlamentares, inclusive de terceiros, para prefeituras previamente cooptadas, mediante exigência de retorno financeiro na ordem de 12%, tratado como "imposto" ou "pedágio". O esquema aconteceria por meio de empresas de fachada, que lavariam o dinheiro.
O cruzamento de dados dos sistemas do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE) revelou que essas empresas movimentaram cerca de R$ 455,5 milhões entre 2023 e 2025, dos quais ao menos R$ 91,9 milhões têm origem comprovada em recursos federais enviados aos municípios cearenses.
A PF também constatou a existência de uma "cadeia hierárquica interna bem definida e o temor de represálias diante de qualquer desconformidade nas remessas de valores".
O inquérito da Polícia Federal foi aberto em setembro do ano passado, em meio às eleições municipais. Os trabalhos avançaram e, nesta terça-feira, Junior Mano foi alvo de operação. Agentes da operação Underhand cumpriram diligências no gabinete do deputado em Brasília e também no Ceará, em endereços de Fortaleza, Nova Russas, Eusébio, Canindé e Baixio. Em nota, o deputado nega envolvimento e diz que "a verdade dos fatos prevalecerá".
Coleta de provas
A constatação veio com informações extraídas dos telefones celulares apreendidos em outras diligências e com o cruzamento de movimentações financeiras suspeitas. Havia comunicação em tempo real sobre a liberação de recursos e a expectativa financeira, indicando ciência e chancela aos ilícitos, aponta relatório da Polícia Federal.
Há referência expressa de que verbas oriundas de seu gabinete seriam destinadas à compra de apoio político, ao financiamento oculto de campanhas e ao pagamento de influenciadores e jornalistas.
O órgão, inclusive, colheu evidências de que o grupo buscava recorrentemente eliminar provas dos ilícitos, obstruindo a Justiça. Isso motivou a concessão da medida cautelar, como forma de impedir que elementos probatórios sejam ocultados ou destruídos.
Cronologia da investigação
Em dezembro de 2024, a Justiça Eleitoral remeteu o caso Bebeto Queiroz ao Supremo Tribunal Federal. O motivo era a possível participação do deputado federal, que tem foro privilegiado, no esquema de desvio de emendas supostamente coordenado pelo colega de partido.
Com a expedição do caso à instância superior, o processo foi distribuído para o gabinete do ministro Gilmar Mendes, que autorizou os mandados cumpridos nesta terça-feira.
A ligação entre Junior Mano e Bebeto ganhou contornos judiciais durante as eleições do ano passado, quando a Prefeitura de Choró – comandada por um aliado de Bebeto à época, Marcondes Jucá (sem partido) – foi alvo de duas operações.
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Além disso, uma denúncia feita em Canindé colocou o deputado no núcleo do esquema. A então prefeita, Rosário Ximenes (Republicanos), denunciou supostas ameaças cometidas por Bebeto durante a campanha, em busca de apoio para Professor Jardel (PSB), eleito em outubro. Segundo ela, o representante de Choró seria o fornecedor financeiro da campanha do candidato adversário, Professor Jardel (PSB), eleito em outubro.
Esses recursos, ainda segundo o depoimento, vinham de licitações e emendas parlamentares que ele negocia junto a 51 prefeituras, com o auxílio de Júnior Mano. Dessa forma, “o deputado concede as emendas, manda para ele (Bebeto) e ele lava”.
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O PontoPoder teve acesso a relatório da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), no âmbito da investigação da Polícia Federal, que esmiúça as evidências colhidas sobre o esquema criminoso.
Segundo o apurado, Bebeto era o líder da organização criminosa que lavava dinheiro com emendas parlamentares por meio de empresas de fachada para comprar votos durante a campanha eleitoral de 2024.
O prefeito eleito de Canindé e vereadores seriam alguns dos beneficiados pela captação de sufrágio com dinheiro sujo, segundo a denúncia de Rosário Ximenes ao Ministério Público do Ceará (MPCE). Assim, eles podiam ultrapassar, de maneira irregular, o limite de gastos fixados pela Justiça Eleitoral durante a campanha.
Ela relatou que, além de Bebeto, a irmã dele, Cleidiane de Queiroz Pereira, e o vigia e suposto empresário Maurício Gomes integravam a rede criminosa, que teria atuação em 51 municípios cearenses, movimentando até R$ 58 milhões para fins ilícitos.
As empresas ligadas a Bebeto têm contrato com várias cidades no Ceará, que entraram no radar dos investigadores sobre o raio de atuação do esquema criminoso.
Junior Mano entra nessa dinâmica, segundo o depoimento, pelo repasse de emendas parlamentares para prefeituras cearenses. Para garantir o controle sobre o dinheiro e a execução dos serviços, Bebeto Queiroz e um grupo de empresários ofereciam valores para que os outros concorrentes saíssem do processo licitatório, privilegiando as empresas sob a sua gerência.
R$ 455,5 milhões
Valor movimentado entre 2023 e 2025 pelas empresas investigadas no Ceará
Além de operar o desvio, o prefeito de Choró inscrevia mais de uma empresa nos pregões eletrônicos, sempre com o menor preço, para garantir o vencimento do edital. A partir daí, atuava para que as contratadas não executassem o serviço pretendido, como uma tática de extorsão por mais valores para concluir as obras.
Com os recursos desviados, o montante era usado para comprar votos ilegalmente. No depoimento, a ex-prefeita disse que Bebeto e Cleidiane, sua irmã, estavam “financiando tudo, desde carro, gasolina, brindes, compra de votos; que esses financiamentos são em troca da prefeitura, pois já foi vendido a iluminação pública, o lixo, os transportes, que não sabe dizer o valor que eles estão comprando votos”.
A empresa central apontada pela ex-prefeita para operar o esquema criminoso, segundo a prefeita, é a MK Serviços, Construções e Transporte Escolar.
A MK, inclusive, tem como sócio-administrador o suposto empresário Maurício Gomes. O vigilante de 37 anos recebeu, entre 2014 e 2020, um salário mensal de R$ 2,4 mil, mas abriu a empresa que tem um capital social de R$ 8,5 milhões. No relatório, a PF diz ser “possível inferir, com forte grau de segurança" que o vigilante atuava como "interposto de terceiros", um laranja de Bebeto Queiroz, segundo a PF.
O que diz Junior Mano
Em nota, o deputado federal afirma, por meio da sua assessoria de imprensa, não ter participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos.
"Como parlamentar, o deputado não exerce qualquer função executiva ou administrativa em prefeituras, não participa de comissões de licitação, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos", diz a nota.
Ele declara, ainda, que confia nas instituições, em especial no Judiciário e na PF, e reitera "o compromisso com a legalidade, a transparência e o exercício probo da função pública". Por fim, afirma ter plena convicção de que "a verdade dos fatos prevalecerá, com o completo esclarecimento das circunstâncias e o reconhecimento de sua correção de conduta."
A liderança do PSB na Câmara dos Deputados, o deputado federal Pedro Campos, também se manifestou. "Esperamos que todos os fatos sejam investigados e esclarecidos o mais breve possível, respeitando o devido processo legal e a ampla defesa do deputado Júnior Mano".
*Diário do Nordeste