Em vez de servir nos Estados Unidos, jovens de origem judaica preferem lutar por Israel. Mais de cem americanos foram recrutados na recente guerra contra o Hamas.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, usou a Assembleia
Geral da ONU para atacar os que acusam as Forças Armadas de seu país de
terem cometido crimes de guerra na ofensiva contra o Hamas, comparando o
grupo radical palestino ao "Estado Islâmico" (EI).
As acusações às forças israelenses, se provadas, podem afetar também
soldados estrangeiros. Durante a guerra contra o Hamas, mais de cem
americanos se uniram ao Exército de Israel. Em alguns meses, eles se
tornarão oficialmente soldados.
Jason Kraizler, de 22 anos, é um deles. Filho de judeus, ele cresceu em
Nova Jersey. Não se considera religioso, mas segue as tradições
judaicas, como vestir o quipá e obedecer às regras do Sabá – o dia de
descanso semanal. Para ele, foi necessário que Israel bombardeasse a
Faixa de Gaza, como forma de se defender.
"O que eles [os israelenses] deveriam fazer, então? Por mais triste que
isso seja para o outro lado, o Hamas utiliza pessoas como escudos",
argumenta. "Sei que o que fazemos é certo, eu permaneço do lado de
Israel." E ele não está só. Atualmente, cerca de 2 mil americanos servem
o Exército israelense.
Lutando pela "pátria"
Jason Kraizler, de 22 anos, segue as tradições judaicas, como vestir o quipá e obedecer às regras do Sabá
Eli Ezer, de 20 anos, tem origens judaicas e foi criado em Nova
York. Ele estudou numa universidade israelense antes de pedir cidadania
e se unir ao Exército. Como Kraizler, ele diz que a fé no judaísmo
significa tudo na sua vida e é sua maior razão para aderir às Forças
Armadas de Israel e defender o que considera sua pátria.
Ezer diz que nem todos os muçulmanos são terroristas, mas afirma que o
radicalismo islâmico é uma ameaça a Israel e precisa ser coibido. Ele se
voluntariou para servir numa unidade do Exército que trabalha apenas na
Cisjordânia, que, segundo afirma, pertence a Israel, o que justificaria
os assentamentos na região.
As Forças Armadas de Israel rejeitaram um pedido da DW para entrevistar
um soldado americano que esteve em Gaza. Segundo as Forças Armadas, os
soldados hesitam em falar sobre suas experiências porque não querem ser
comparados a militantes extremistas no contexto das atuais investigações
sobre crimes de guerra. Mas um deles aceitou falar em anonimato.
Crimes de guerra?
O soldado contou que tem uma biografia muito peculiar: ele é um
americano-israelense oriundo de uma família muçulmana. Ele conta que
servir o Exército de Israel tinha mais a ver com o desejo de viver em
Israel e que não havia pensado que iria para a guerra. Porém, acabou
passando um curto período em Gaza, durante os últimos meses.
"Gostaria de acreditar que o mundo poderia fazer algo em relação ao
Hamas", diz. Na visão dele, os israelenses combatem o grupo sem a ajuda
dos Estados Unidos ou dos países do Ocidente. Ele não nega sua compaixão
para com os palestinos e diz que não gosta da forma como os israelenses
bloqueiam Gaza.
Além disso, acredita que uma investigação sobre os possíveis crimes de
guerra é justa, contanto que também apure os atos do Hamas. Ele defende
ainda que outras autoridades independentes também conduzam
investigações.
Como um americano no Exército de Israel, ele diz não estar preocupado
com as acusações de crimes de guerra, porque, segundo afirma, não
cometeu nenhum crime. Ainda assim, admite que nem todos os militares
obedecem as leis e alguns "simplesmente odeiam os árabes".
Ele conta que viu "uma minoria de companheiros tentando
encontrar o próximo alvo", mas não sabe de qualquer violação clara das
regras. O soldado afirma ainda que seu desejo é que o Exército utilize
as armas mais para "machucar" do que para matar, mas concorda que "matar
parece ser a norma".
O "jihadista que nunca foi"
A união de americanos a um Exército acusado de crimes de guerra acontece
no mesmo momento em que outros se juntam a grupos extremistas na Síria e
no Iraque. Militares americanos afirmam que o número de cidadãos de seu
país lutando nessas organizações é três vezes maior do que o esperado.
Num artigo de opinião recentemente publicado no jornal Washington Post,
o jornalista e escritor Michael Muhammed Knight afirma que ele era o
"jihadista que nunca foi". O texto fala sobre suas influências nos anos
1980, que o levaram a se converter ao islamismo e, posteriormente, a um
radicalismo que o fez querer pegar em armas com os rebeldes da
Chechênia, que lutavam por um território próprio na década de 1990,
embora, segundo ele, nunca o tenha feito.
Ele alega que a atitude americana é de lutar contra a "opressão e
proteger a segurança e dignidade de outros", e que atravessar o mundo
para se envolver em "lutas pela liberdade" é algo "muito americano".
À DW, Knight afirmou que a autobiografia do ativista Malcom X
transformou sua vida. A mãe o levou a uma mesquita e acompanhou sua
conversão ao islamismo. Quando estudou com professores paquistaneses na
mesquita Faisal, em Islamabad, Knight conta que eles nunca lhe ensinaram
a jihad – a "guerra santa". Suas ideias vieram dos escritos do
aiatolá Khomeini, o líder revolucionário do Irã, e de outros que
escreveram sobre como defender o islã.
Ainda assim, o seu desejo de lutar não o aproximou das Forças Armadas
americanas, uma vez que ele as via como "um inimigo da liberdade,
justiça e igualdade". "Talvez o 'Estado Islâmico' esteja tentando fazer
justiça da forma como a interpretam", observou.
O soldado que falou anonimamente à DW conta que, enquanto ele se
alistava nas Forças Armadas de Israel, amigos muçulmanos foram para a
Síria para lutar ao lado dos rebeldes e de grupos extremistas.
Esses amigos cortaram todos os contatos com ele, assegura. Mas, nesses
casos, ele afirma acreditar que "o dinheiro prevalece sobre a fé" e que
"eles foram pagos para virar jihadistas" em vez de serem movidos pela
ideologia que afirmam ter como motivação. Ele ainda acrescentou, com
certa hesitação, que "os jihadistas... me lembram os sionistas que vão a
Israel para servir o Exército".
Em busca de aceitação
Aparentemente, muitos americanos se voluntariam para lutar em solo
estrangeiro como forma de encontrar aceitação e de pertencer a um grupo
ou causa.
O pesquisador Yael Warshel, da Universidade da Califórnia em Los
Angeles, observa que, para essas pessoas, aderir a um grupo no exterior
cria um senso de comunidade maior do que o que elas experimentam em sua
terra natal.
Ele diz que judeus e muçulmanos que aderem a organizações estrangeiras
são uma minoria na sociedade americana, e que pessoas jovens são
particularmente motivadas a querer "agir para mudar", buscando para isso
algo que lhes pareça ser maior do que elas mesmas.
Mas quando os israelenses retornarem aos EUA, após cumprirem o serviço
militar, serão tratados diferentemente daqueles que desejarem voltar
quando estiverem cansados de combater em grupos extremistas.
Os primeiros deverão ser bem recebidos e aceitos por suas famílias e
amigos, enquanto os últimos provavelmente serão presos e interrogados,
com poucas chances de reintegração na sociedade.
Fonte: Uol Notícias
