Não há ainda estudos definitivos sobre as consequências da Covid, mas
elas são documentadas mundo afora. No Ceará, pacientes "curados"
queixam-se de possíveis impactos. Médicos acompanham em ambulatórios a
situação.
O Ceará já registrou 221 mil confirmações de pessoas com Covid e 194
mil recuperadas. Mas, uma, dentre tantas incertezas sobre a doença, é
justamente os efeitos ainda sentidos por pessoas consideradas
recuperadas. No Estado, assim como em outras partes do mundo, relatos de
pacientes curados e a observação clínica dos profissionais da Saúde
indicam possíveis sequelas da Covid.
No atual momento não é possível dizer se elas são temporárias ou
permanentes, e na lista das diversas repercussões constam, dentre
outros: cansaço, falta de ar, aumento da glicemia e dores no peito.
Indícios não definitivos, mas que sinalizam um vida pós-Covid por ora
comprometida.
A dona de casa Maria Silvanira de Oliveira Silva teve Covid em maio e
até o momento relata ainda ter possíveis sequelas. Moradora de
Maracanaú, Silvanira conta que quando teve os primeiros sinais da doença
sentiu febre e dores na garganta, depois passou a ter também dores
fortes nas costas. Na época, ela não ficou internada, mas foi duas vezes
ao hospital. E, em uma das ocasiões, foi confirmado o diagnóstico da
infecção por coronavírus.
“Eu fiquei um mês e 15 dias isolada. Parei de sentir o gosto dos alimentos, perdi cinco quilos. Hoje eu sinto muita dor no braço direito. Uma dor que eu não tinha antes. Se eu andar, fico cansada, sufocada”, ressalta.
Outro impacto, relata, é a queda de cabelo. Ela tem o cabelo curto,
mas depois da doença, explica ter registrado a falta dos fios em
determinadas áreas.
O policial federal Rucley Cavalcante Braga também teve Covid e
continua sentindo os prováveis impactos da doença. O caso foi severo,
ele esteve 53 dias internado e passou por três unidades de saúde: UPA de
Messejana, Hospital Leonardo da Vinci e Hospital Waldemar de Alcântara,
em Fortaleza. No Leonardo da Vinci, ficou em coma durante 30 dias. Em
maio, foi considerado curado da Covid, mas até hoje ainda sente os
efeitos.
No começo, Rucley teve comprometimento do pulmão, mas hoje conta que
“já melhorou”. Ele segue fazendo fisioterapia e relata ter dores no
braço direito. Além disso, Rucley está com diabetes e problemas na
visão. “Eu tenho que ficar consultado pneumologista, oftalmologista,
fazendo um check up geral. A doença intensificou o problema na visão,
dores nas pontas dos pés, um formigamento. Algumas coisas os médicos
sabem identificar, outras não. Estão investigando”.
Os sinais de sequelas da Covid estão sendo documentados mundo afora.
Não há ainda estudos definitivos sobre as consequências da doença a
médio e longo prazo, nem se, de fato, elas podem atingir um alto grau de
limitação do paciente. No Ceará, hospitais da rede pública mantêm
ambulatórios para atendimentos pós-Covid. Nas unidades, a finalidade é
de garantir suporte aos pacientes já acometidos pela doença e que
tiveram alta, e também realizar pesquisas justamente sobre esses
possíveis efeitos.
Acompanhamento
No Hospital São José, a infectologista Melissa Medeiros relata que há
três ambulatórios pós-Covid por semana, o que gera um total de 18
paciente marcados a cada 7 dias. Ela explica que as pessoas recuperadas
continuam se queixando de “tosse ou secreção na garganta. Um pouco de
catarro e também piora no refluxo. São queixas frequentes. Isso podem
ser sequelas”.
De acordo com a medida, a piora no refluxo e a secreção persistente
são efeitos relatados principalmente em casos mais leves. Já nos casos
mais crônicos, “as pessoas têm referido sensação de cansaço, não só
respiratório, mas cansaço físico. Elas não têm disposição para fazer o
que faziam antes e isso gera inclusive quadros psiquiátricos, como
depressão e ansiedade, ou mesmo alteração de humor. Porque as pessoas
ficam limitadas”. Além disso, também são referidas problemas como
palpitações, taquicardia esporádica e alteração de pressão.
No Hospital Dr. Carlos Alberto Studart Gomes - Hospital do Coração -
em Messejana, a pneumologista Diana Arraes de Sousa também atende
pacientes que foram acometidos pela doença e estão “curados”. Na
unidade, reforça que “tem sido comum o relato de tosse persistente, um
cansaço residual, falta de ar, sensação de moleza e dor no peito. São os
sintomas mais comuns relatados”. A médica explica que é importante
diferenciar os sintomas comuns pós-Covid de possíveis sequelas.
Segundo ela, a sequela é “algo que vai ficar”. Já os sintomas, na
maioria dos casos acompanhados na unidade, “têm tido uma melhora
progressiva e lenta. Então, não tem como eu dizer se esse sintomas
ficarão em alguns pacientes ou estão apenas em transição para
melhorarem”.
Diana enfatiza que os procedimentos que envolvem à Covid ainda são
recentes e “ainda estamos aprendendo com isso. O tempo não nos permitiu
tirar uma conclusão definitiva”. Segundo ela, não existe uma data
precisa para estabelecer o que seria uma sequela ou não da Covid.
“Isso depende do acompanhamento do paciente e tende a ser progressivo
com o tempo. Ou seja, quando mais o tempo passa, maior a proporção de
pacientes que têm uma doença já totalmente resolvida. Tem estudos
chineses que na alta só 8% (dos pacientes) tinham ausência de alterações
na tomografia. Três semanas após, 53% já tinham ausência de alterações
na tomografia do pulmão, ou seja, isso é progressivo. Mas ainda tinha
47% que tinham alguma alteração. Isso vai melhorando aos poucos”.
Tempo
A médica estima que é necessário, pelo menos, seis meses para
identificar se esses problemas persistem. Mas só com 12 meses, segundo
ela, “é possível ‘fechar’ alguma coisa sobre o que ficou ou não”. Ela
acrescenta que existem diversas hipóteses e é preciso acompanhar.
Inclusive, relata, para identificar efeitos colaterais atrelados à
medicação usada, como o corticoide prednisona. A infectologista do
Hospital São José, Melissa Medeiros, também reitera a necessidade de
acompanhar os efeitos da medicação.
“Há pacientes que relatam descontrole de glicemia. Estamos tentando
melhorar o tratamento e estabilizar. O que tem sido usado para
tratamento são coisas empíricas, então, tem pessoas que tem tomado
antiparasitário como ivermectina em grande quantidade e isso pode
sobrecarregar o fígado e causar até hepatite”.
No Hospital São José, a expectativa é que o ambulatório funcione por
seis meses. “Já estamos vendo recuperação de pulmão, temos tomografia de
controle onde vemos os pacientes que tenha acometimento de pulmão com
mais de 75% e quando a gente repete, três meses depois, ainda vemos
resquícios de lesão. Essa doença ainda deixa sequelas por algum tempo.
Temos que ter cuidado porque temos que ver se esse pacientes não estão
tendo reinfecção de outras viroses ou infecção bacteriana associada”,
completa.
No Hospital do Coração, Diana Arraes, diz que não há prazo definido para encerramento do ambulatório pós-Covid.
Fonte: Diário do Nordeste