As
terras do Ceará reivindicadas na Justiça pelo Piauí têm potencial para
geração de energia limpa, abrigam parques ecológicos que recebem
milhares de turistas e possuem forte produção no agronegócio, além de
equipamentos municipais e estaduais, como hospitais, estradas e um
aeroporto. O conflito pelas terras já afasta investidores e pode criar
uma barreira fiscal para o comércio local, segundo empresários e
políticos cearenses.
O
Piauí pede no Supremo Tribunal Federal (STF) 2,8 mil km ² de terras que
o Ceará supostamente invadiu no estado vizinho. Um estudo prévio do
Exército solicitado pelo STF e pago pelo Piauí define a divisa entre os
estados ainda mais ao oeste, ou seja, o Ceará deverá devolver mais terra
que o reivindicado pelos piauienses caso perca a ação.
O
procurador do Piauí, Luiz Filipe Ribeiro, diz não haver interesse
econômico na ação que reivindica as terras, mas o reconhecimento
jurídico de um decreto de 1880 que determina a região como piauiense.
O
Governo do Estado do Ceará disse ao g1 que atua para manter a
integralidade do território. “Para tanto, apresentou todas as evidências
técnicas (estudos do IPECE [Instituto de Pesquisa e Estratégia
Econômica do Ceará] e PGE [Procuradoria Geral do Estado]) da posse das
áreas dos municípios, bem como os aspectos culturais, tradicionais e de
identificação da população cearense ali instalada.”
O
caso tem relatoria da ministra Cármen Lúcia e, se aceito conforme o
estudo do Exército, 13 cidades cearenses perdem até 90% do território:
Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito,
Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Ipaporanga e
Crateús. Com isso, 172 unidades de saúde, 290 escolas, 598 torres
eólicas, entre outros ativos, passam para o Piauí.
A
decisão também ampliaria o tamanho de oito cidades piauienses: Luís
Correia, Cocal, Cocal dos Alves, São João da Fronteira, Pedro II, Buriti
dos Montes, Piracuruca e São Miguel do Tapuio.
A
governadora do Ceará, Izolda Cela, em encontro com a ministra Cármen
Lúcia, defendeu a manutenção das terras no estado. “Minha defesa é
permanente e nós temos o nosso bom direito e nós temos o direito das
pessoas, com o seu pertencimento, o seu direito de ser e continuar
cearense”, disse a governadora após a reunião.
Impacto no comércio local
O
presidente da Agência de Desenvolvimento da Ibiapaba, Paulo Wagner,
afirmou que a saída das cidades da Ibiapaba do Ceará para o Piauí vai
prejudicar a economia da região, pois as relações de compra e venda que
hoje são locais teriam de enfrentar barreira fiscal interestadual. Seria
uma “catástrofe”, na avaliação de Wagner.
A
decisão também ampliaria o tamanho de oito cidades piauienses: Luís
Correia, Cocal, Cocal dos Alves, São João da Fronteira, Pedro II, Buriti
dos Montes, Piracuruca e São Miguel do Tapuio.
A
governadora do Ceará, Izolda Cela, em encontro com a ministra Cármen
Lúcia, defendeu a manutenção das terras no estado. “Minha defesa é
permanente e nós temos o nosso bom direito e nós temos o direito das
pessoas, com o seu pertencimento, o seu direito de ser e continuar
cearense”, disse a governadora após a reunião.
Conforme
Wagner, empresários da Ibiapaba mantêm negócios principalmente com as
cidades vizinhas, livre de impostos estaduais, pois não precisam cruzar
divisas. A Agência de Desenvolvimento da Ibiapaba reúne empresários e
industriais da região.
“O
principal impacto econômico está na possibilidade de criação de novas
barreiras fiscais entre os municípios da região. Isso impactaria
diretamente nos negócios, na indústria e principalmente no agronegócio,
base da nossa economia. Isso iria inviabilizar muitos negócios e,
consequentemente, teria desemprego.”
O que está em jogo
Atualmente,
a Serra da Ibiapaba tem parques eólicos que somam 598 aerogeradores e
empresas do setor também já adquiriram terras para implantar novas
torres de geração de energia a partir do vento.
A
região também tem forte produção no agronegócio, polos turísticos e
segurança hídrica — uma vantagem no Nordeste brasileiro, historicamente
afetado pela estiagem. A região tem também equipamentos instalados pelo
Governo do Ceará ao longo de décadas, como delegacias, escolas e o
Aeroporto de São Benedito, sob gestão estadual.
O
Parque Nacional de Ubajara, com trilhas, mirantes, grutas e cachoeiras
que atraem milhares de turistas todos os anos, passaria a pertencer ao
território piauiense pelo estudo do Exército. O parque ganhou
recentemente um teleférico.
Se
o STF decidir a favor do Piauí, o parque, que é um dos principais
pontos turísticos do Ceará, passa a pertencer ao estado vizinho.
Moradores da região afirmam que o Piauí tem interesse no potencial
econômico da região; Luiz Filipe, procurador do Piauí, nega.
“A
ação é pautada no interesse jurídico, a indefinição gera uma
insegurança jurídica. Se houver repercussão econômica, não é objeto
dessa ação. Existem dados geográficos que fundamentam a ação. É uma ação
bem embasada com fatos históricos e jurídicos, não é nenhuma ação
aventureira”, diz.
Origem do litígio
A
jurisdição das terras na divisa entre Ceará e Piauí é secular, com
argumentos conflitantes de políticos, historiadores e pesquisadores dos
dois estados. Em dissertação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), o
geógrafo Eric de Melo diz que o Ceará avançou sobre terras piauienses e
criou a freguesia de Amarração (atual município de Luís Correia, no
Piauí) em terras que não são suas.
Um
dos argumentos da Procuradoria-Geral do Estado do Piauí é que o Ceará
invade a divisão geográfica definida pela Serra da Ibiapaba: a partir do
cume, o que estiver a oeste é do Piauí; e a leste, do Ceará.
Povo se tornou cearense, diz pesquisador
O
historiador João Bosco Gaspar, em audiência pública na Câmara Municipal
de Tianguá sobre o litígio, rebate o argumento da Procuradoria-Geral do
Estado do Piauí de que a divisão definida pela Serra da Ibiapaba defina
o limite entre os estados. Conforme a pesquisa de João Bosco, um
decreto do século XIX determina as terras como sendo cearenses. A
decisão foi tomada não baseada na geografia, segundo o pesquisador, mas
no reconhecimento da população local como sendo povo do Ceará.
Conforme
argumento de pesquisadores cearenses, os piauienses que residiam
próximo à divisa buscavam serviços públicos no Ceará, ofertados com
melhor qualidade e mais próximos de onde moravam. Com o passar do tempo,
essa população passou a se considerar cearense, e um decreto
estabeleceu a região como pertencente ao Ceará.
“O
decreto é fruto de um acordo entre as províncias, passou nas duas
casas: passou na Câmara dos Deputados e no Senado do Império, e teve um
parecer das duas casas”, afirma João Bosco.
Créditos: G1