A legislação brasileira permite o registro de crianças com mais de um pai ou mais de uma mãe. Isso porque há o reconhecimento de responsabilidade socioafetiva, que permite a inclusão de mais uma pessoa à certidão de nascimento. Recentemente, a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) atuou em mais uma ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva.
O fato aconteceu na cidade de Ipu, interior do Ceará. José Tupinambá Frota Gomes Capote teve o direito de incluir o seu nome na certidão de nascimento da neta biológica de sua companheira. Desde o início de seu relacionamento com a atual esposa, o homem assumiu o papel de pai da criança, hoje com dez anos, cumprindo com as obrigações tanto financeiras como afetivas.
“A criança tem realmente a perspectiva de que José Tupinambá realmente é o seu pai afetivo, tendo contato com ele diariamente em todos os aspectos da vida. O caso veio para a Defensoria e pude verificar que se trata de um caso de amor, de uma relação de pai e filha que se desenvolveu ao longo dos anos. É ele quem busca na escola, eles brincam juntos, saem juntos, ele assumiu as questões financeiras e desde o início passou a ser o pai efetivmente. Diante dessa situação, eu fiquei muito emocionado com o caso e chamei os pais biológicos da criança que também deram autorização para a paternidade socioafetiva. Todos foram ouvidos em audiência e culminou com a sentença deferindo a paternidade socioafetiva. Agora, a criança tem dois pais e uma mãe no campo de filiação da sua certidão de nascimento”, pontuou o defensor público Samuel Marques, que atua em Ipu e participou de todas as etapas do processo.
“Penso que antes de Júlia nascer eu já a amava. Segurei-a ao sair do berçário e tenho comigo o trunfo de tê-la guardada desde aquela época até os dias de hoje. Vou amar Júlia até além da eternidade. Júlia, sempre teve capacidade de compreender e me devolvia em retroação, carinho e afeição própria de criança inteligente. Nas festinhas de aniversário e colégio era extremamente clara e evidente o visível brilho de seus olhos. Júlia não escondia sua felicidade. Ela adora me chamar de papai e eu também adoro ouvir”, revela Tupinambá Frota.
A expressão ‘pai de coração’ já existe há muitos anos, mas foi somente em 2017 que eles conquistaram reconhecimento no papel. O Provimento 63, de 14 de novembro de 2017, do Conselho Nacional de Justiça, incorporou no ordenamento jurídico brasileiro algumas regras para o reconhecimento da paternidade socioafetiva. Se antes a justiça reconhecia apenas a paternidade biológica ou adoção, a partir deste provimento, vínculos de amor e afeto, reconhecidos socialmente, passaram a ter validade jurídica.
De acordo com dados da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), desde o provimento até o ano de 2022, foram 44.942 registros de paternidade socioafetiva. Hoje, para fazer o registro em cartório, é preciso que a criança tenha mais de 12 anos e que tanto o filho quanto o pai socioafetivo concordem com o reconhecimento.
Em casos de menores de 18 anos, também é pedido aval dos pais biológicos. Se não houver concordância do pai biológico ou se a criança for menor de 12 anos, o procedimento tem de ser feito pela via judicial. O registro da paternidade socioafetiva é irrevogável e, na certidão, não há distinção entre o pai biológico e o pai do coração.
Para fazer o reconhecimento, foram anexados no processo documentos como registros da escola e até fotos em celebrações importantes. A modalidade cumpre uma função simbólica, de oficializar um laço de afeto que já existe, mas também pode ter papel prático, como garantir o direito à guarda e à herança – os mesmos de uma relação de paternidade biológica.
(Defensoria Pública do Estado do Ceará)