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6 a 5, Corte rejeitou pedido da defesa para arquivar ação; homem virou
réu por tráfico de drogas após polícia entrar em residência sem
autorização judicial e encontrar 249 gramas de maconha
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um apertado placar de 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou
uma ação policial que levou agentes a invadir uma casa sem autorização
da Justiça por “atitude suspeita” de um homem, que teria corrido ao
avistar a viatura.
Ao
entrarem na residência, os policiais encontraram 247,9 gramas de
maconha e prenderam o homem. Ele foi denunciado e virou réu por tráfico
de drogas.
A
defesa argumentou ao Supremo que a ação deveria ser arquivada já que a
droga encontrada seria inválida como prova. Segundo os advogados, não
teria havido situação de flagrante que justificasse a entrada dos
policiais na casa sem mandado judicial e a maconha encontrada seria para
uso próprio.
Pedidos
semelhantes da defesa já haviam sido feitos ao Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJ-SP) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ambos
negados.
No
STF, seis ministros rejeitaram o pedido. Alexandre de Moraes, Dias
Toffoli, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Nunes Marques entenderam que a
atuação policial foi regular.
André
Mendonça rejeitou o pedido por questões processuais, afirmando que a
ação – um habeas corpus – não seria o meio adequado para analisar a
demanda.
Ficaram
vencidos o relator, Edson Fachin, e os ministros Roberto Barroso,
Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Eles votaram para atender ao
pedido, declarando nula a prova usada na acusação e arquivando a ação
penal contra o homem.
O
julgamento foi feito em sessão virtual entre os dias 23 de fevereiro e 1
de março. No formato, não há debate entre os ministros, que apresentam
seus votos em formato escrito no sistema eletrônico da Corte.
A
decisão do STF não vincula automaticamente outras instâncias da
Justiça, mas serve de precedente para entendimentos que outros tribunais
vierem a ter em situações semelhantes.
O caso
O
caso analisado pelo STF ocorreu em outubro de 2018, em São Paulo.
Segundo o inquérito, policiais faziam patrulhamento de rotina quando
avistaram o homem em frente à sua casa. Ao ver a viatura se aproximando,
“em atitude suspeita, correu para seu interior”, segundo relatado na
denúncia.
Os policiais então entraram na casa, encontraram a droga e o prenderam. Há diferentes versões para a entrada na residência.
Os policiais disseram que o homem autorizou o ingresso dos agentes no local.
Já
o homem afirmou, no inquérito, que estava em seu quarto, “quando
policiais bateram à sua porta”, alegando ter “uma denúncia de crime
naquela residência”. Ele então teria aberto a porta “e os policiais lhe
detiveram”. O homem ainda disse que “foi agredido na região da face, das
costas e nas pernas”.
Na audiência de custódia, o juiz validou a prisão em flagrante, mas decidiu conceder liberdade provisória.
A
Constituição considera a casa um local “inviolável do indivíduo” e que
ninguém pode nela entrar “sem o consentimento do morador, salvo em caso
de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial”.
Votos
Ao
divergir do relator, Alexandre de Moraes disse que a ação policial foi
válida já que a atitude “suspeita” do homem justificaria a atuação dos
policiais.
“No
caso concreto, conforme narrado, o ingresso dos agentes de segurança
pública no domicílio foi devidamente justificado, tendo em vista que o
paciente, ao visualizar a viatura policial, saiu correndo em atitude
suspeita para o interior de sua residência”, afirmou o ministro.
“Desse
modo, não há, neste juízo, qualquer ilegalidade na ação dos policiais
militares, pois as fundadas razões para a entrada dos policiais no
domicílio foram justificadas neste início de persecução criminal”,
disse.
Conforme
Moraes, a modalidade do crime de tráfico de drogas do caso (ter a droga
guardada) se configura com uma situação de flagrante que permite a
busca domiciliar sem mandado judicial “desde que presentes fundadas
razões de que em seu interior [da casa] ocorre a prática de crime”.
“A justa causa, portanto, não exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas razões a respeito”, afirmou.
O
relator Edson Fachin teve uma interpretação divergente. Para ele, não
havia razão que justificasse a entrada dos policiais na casa.
Assim, a droga foi encontrada de maneira ilegal e não poderia ser usada como prova em um processo criminal.
O ministro entendeu que a situação narrada pelos policiais antes de entraram na casa “não aponta indícios de flagrante delito”.
“A
ação anotada (“correr”) não é em si criminosa e por isso não se
enquadra na definição de flagrante próprio (“está cometendo uma infração
penal ou acaba de cometê-la”)”, afirmou.
Fachin
disse que intuições ou suspeitas dos policiais podem justificar atos de
investigação, mas só podem levar a uma busca em domicílio desde que
existam outros fatores e com a devida justificação.
“Não
se está a dizer que desconfianças, intuições, suspeitas, muitas vezes
decorrentes da experiência e recorrência de atividades vivenciadas no
dia a dia policial devam ser simplesmente ignoradas”, declarou. “Tais
circunstâncias podem justificar o início de atos de investigação, que em
conjunto com outros elementos, devidamente justificados, poderão
ensejar diligências dirigidas especificamente contra o investigado, até
mesmo prestando-se a corroborar requerimentos de busca domiciliar
formulado ao Juízo competente”.
“Contudo,
considerar que a menção à fundamentação ‘correu e adentrou à residência
ao avistar a viatura, apresentado atitude suspeita’ possa validar o
ingresso domiciliar é dar uma permeabilidade demasiada à exceção contida
no art. 5°, XI, da CF [Constituição Federal], solução que parece não se
conformar com os limites traçados pelo CPP [Código de Processo Penal] e
pelo texto constitucional”.
Via Folha do Estado