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Três cidades brasileiras estão entre as dez mais violentas do planeta

Maceió, Fortaleza e João Pessoa têm taxa de homicídios considerada epidêmica pela Organização Mundial da Saúde.

No último domingo (16), o Fantástico mostrou como é viver na cidade mais violenta do mundo - San Pedro Sula, em Honduras. Neste domingo (23), os nossos repórteres viajaram pelas três cidades brasileiras que estão entre as dez mais violentas do planeta. Uma delas, vai receber jogos da Copa do mundo.
Nestes locais se mata por qualquer motivo: paixão, discussão, tráfico. “A morte é sempre entre 15, 21, 22 anos. Não passa disso”, destaca um policial.
Uma pessoa assassinada a cada duas horas. O crime é bem perto das autoridades. O que impressiona é que a venda de drogas funciona bem em frente à delegacia.
Durante um mês, o Fantástico percorreu as cidades brasileiras que aparecem no ranking das dez mais violentas do planeta entre as que não estão em guerra: Maceió, Fortaleza e João Pessoa. O levantamento foi feito por um respeitado grupo de estudos mexicano.
Maceió é a quinta cidade mais violenta do mundo, e primeira do Brasil, segundo o estudo mexicano. Em 2013, foram 79 homicídios para cada 100 mil habitantes. Acima de 10 homicídios por 100 mil habitantes, a Organização Mundial de Saúde, considera uma epidemia de violência.De acordo com números do próprio governo estadual, a maioria das vítimas de homicídios em Maceió é de jovens, com idade entre 18 e 29 anos.
“Quem está na orla não consegue visualizar que, todos os dias, na cidade de Maceió, pelo menos cinco jovens estão morrendo. E esses jovens não estão morrendo na orla. Eles estão morrendo nas periferias”, destaca a socióloga Ruth Vasconcelos.
Durante os nove dias que passamos em Maceió, foram 19 assassinatos. Em todos, os criminosos nem se preocuparam em esconder o rosto.
Segundo a polícia, geralmente, os assassinos mandam informantes para o local do crime. Eles querem saber se algum morador está colaborando ou não com as investigações. Por isso, a lei do silêncio. Ninguém fala nada, ninguém ajuda.
Com 46 anos, Sebastião Borges dos Santos não ajudou na investigação de um homicídio, diz a polícia. Mas os traficantes acharam que sim. E mataram o borracheiro com um tiro na cabeça.
Uma das 12 cidades-sede da Copa e palco do segundo jogo do Brasil na competição, Fortaleza é a sétima cidade mais violenta do mundo e a segunda do Brasil, de acordo com o levantamento. São 72 assassinatos por 100 mil habitantes.
Como em Maceió, os jovens são as principais vítimas. Carlos Henrique foi morto com dois tiros. Segundo a polícia, por dívida com o tráfico. O assassino não foi preso e conta com a estatística oficial a seu favor. Hoje, o estado do Ceará tem 58 mil foragidos, 11 mil deles acusados por homicídio. O Fantástico teve acesso a mandados de prisão que deveriam ter sido cumpridos em 1995, 1994 e até em 1991, ou seja 23 anos engavetado.
“O criminoso, no Ceará, para ser preso, tem que ser muito azarado. A Polícia Civil não tem efetivo pra investigar nenhum crime”, destaca o presidente do sindicato de Policiais Civis do Ceará, Gustavo Simplício Moreira.
A principal delegacia responsável pela captura dessas pessoas, que fica em Fortaleza, está em situação precária, com as celas lotadas. Para socorrer os presos doentes, os agentes precisam pedir ajuda para os próprios presos.
Só no carnaval de 2014, 25 pessoas foram assassinadas em Fortaleza. E nesta semana, novos homicídios assustaram os moradores. Entre eles, o de um universitário de 19 anos, morto durante um sequestro-relâmpago.
“A gente tem uma situação que não é de conforto. Mas você tem a polícia fazendo o seu papel, dando as respostas adequadas. Para você ter ideia, nós realizamos nos últimos cinco meses cerca de 10.500 prisões em flagrante”, destaca o Servilho de Paiva, secretário de segurança do Ceará.
O Fantástico foi até João Pessoa, a nona cidade mais violenta do mundo, e terceira do país, segundo o estudo.
O que impressiona na cidade é que a venda de drogas funciona bem em frente à delegacia. Os compradores chegam a pé, de carro, até se atrapalham e disfarçam mal, mas ninguém para a ação dos criminosos. O nosso produtor se aproxima do grupo, fingindo estar interessado na droga. O traficante não se preocupa com a polícia.
No fim do dia, o delegado titular da delegacia do turismo, Francisco Azevedo, chama dois rapazes, um deles é o homem flagrado pela nossa equipe vendendo drogas.
Eles entram, ficam três minutos, e, logo em seguida, deixam o prédio para voltar à rotina. Hoje, o delegado disse para a repórter Meiry Alves que suspeitava do tráfico na região e chamou os dois em busca de informações.
Delegado: Todas as pessoas que são chamadas na delegacia são chamadas para dar esclarecimentos
Fantástico: O senhor sabia que eles vendiam droga?
Delegado: Até aquele momento não.
Depois que a secretaria foi informada dos flagrantes, os traficantes que agiam na frente da delegacia foram presos.
João Pessoa tem uma taxa de homicídios considerada epidêmica pela Organização Mundial da Saúde. São 66 para cada 100 mil habitantes
“É um trabalho que a gente tem focado muito, principalmente nos crimes contra a vida, mas demonstrando que o caminho é certo e já há uma boa redução, mas a gente reconhece que ainda falta fazer”, disse secretário de Segurança da Paraíba, Cláudio Coelho Lima.
O filho de Dona Maria faz parte desses números. “A gente estava na igreja e, quando eu cheguei lá, eu vi a cena, que nenhuma mãe queria ver. Meu filho morto, na calçada”, conta.
Tibério de Oliveira tinha 24 anos e foi morto com 9 tiros em 2011. A família diz que foi por engano.
“Meu irmão não tinha rixa com ninguém, não tinha dívida. Então quem o conhecia sabia disso”, diz o irmão Kaleb.
Para o Ministério Público, muitas mortes estão relacionadas ao tráfico de drogas. Mas uma investigação da Polícia Federal também apontou a existência de milícias e grupos de extermínio, formados por policiais.
O Fantástico teve acesso aos detalhes do inquérito. Segundo o documento, uma das gravações mostra o major da PM, Gutemberg Nascimento de Lima, negociando uma espingarda.

O major foi indiciado pela Polícia Federal por comércio ilegal de armas, formação de milícia e lavagem de dinheiro. Por telefone, ele disse ao Fantástico que é inocente e vítima de perseguição política. Além do major, sete policiais civis e dez militares devem ser julgados por diversos crimes.
Voltamos para Maceió - a primeira cidade em todo o país a receber ajuda da Força Nacional. O trabalho começou em 2012 e a taxa de homicídios vem oscilando ano a ano. Comparando 2013 a 2011, a queda é de 16%.
“A Força Nacional continua até que o efetivo que prestou concurso seja capacitado para assumir as funções e ai a força segue para outro estado do país”, disse a secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki.
E é justamente a falta de efetivo, uma das principais reclamações ouvidas pelo Fantástico.
Em 2004 eram 10.398 homens, hoje, dez anos depois, são 10.012.
A nossa equipe rodou 30 quilômetros durante uma noite nas principais ruas e avenidas de Maceió, e não viu policiamento algum.
Mesmo durante o dia, o tráfico de drogas, um dos combustíveis de tantos homicídios, funciona tranquilamente nas praias de Maceió. Em alguns locais são crianças que negociam a droga.
“Nós iremos mostrar ao povo do Brasil que Alagoas, que tem um povo ordeiro, não tolera de forma alguma conviver com essa criminalidade, conviver com esse tipo de situação”, destaca o secretário de Defesa Social de Alagoas, Eduardo Tavares.
Para o Ministério Público, um dos fatores que contribui para tanta violência no estado é a impunidade.
“O que chama atenção em Alagoas é o número de processos movidos contra autoridades. Só que esses processos se eternizam, esses processos tramitam lentamente e não existe uma resposta à altura. O que faz com que aumente a descrença do povo no sistema de Justiça”, disse o procurador-geral de Justiça Sérgio Jucá.
No estado de Alagoas, dois deputados, um ex-vereador e um ex-secretário de Segurança foram denunciados por homicídio, entre 2004 e 2012. Em todos os casos, eles aparecem como mandantes de assassinatos. Até agora não foram julgados e aguardam em liberdade. São eles: o deputado federal Francisco Tenório, do PMN; o deputado estadual, João Beltrão, do PRTB; o ex-vereador de Maceió, Luís Pedro; e o ex-secretário de segurança de Alagoas, Robervaldo Davino, que hoje é um dos diretores da Polícia Civil.
Fomos atrás das autoridades. Em nome de João Beltrão, falou o advogado. “Não tem absolutamente nada. Esse é um fato que ocorreu há mais de 15 anos. Há mais de 15 anos”, diz José Fragoso Cavalcanti.
O advogado também defende o ex-vereador Luís Pedro. “Ele é inocente. Em verdade essa história foi criada por uma pessoa aqui em Maceió, uma fonte que é absolutamente inidônea”, disse.
Também foi um advogado que falou em nome do deputado federal Francisco Tenório. “Nos dois processos que o deputado ficou como réu não há o mínimo indício de prova que ele seja o autor intelectual desses homicídios”, disse o advogado Fábio Henrique Cavalcante Gomes.
E o atual secretário de Segurança explicou por que o ex-secretário, acusado de homicídio, ocupa, agora, um cargo de diretor na Polícia Civil. “Até que ele seja julgado, ele precisa ficar exercendo o seu cargo, mas o delegado Davino é um delegado atuante. É um delegado que apresenta resultados”, avalia Eduardo Tavares.
O advogado de Davino disse que vai provar a inocência dele: “Nós entendemos que não existe nenhuma prova contra ele de qualquer ato ilícito”, diz Fernando Maciel.
Há dois anos, a Universidade Federal de Alagoas decidiu fazer uma homenagem às vítimas da violência: um bosque do campus recebeu 140 mudas de árvores, cada uma representa uma pessoa. Ali, encontramos Seu Sebastião. O filho dele foi assassinado, com 21 tiros, dentro de casa. O corpo foi levado para o IML e desapareceu.
“Ocultaram o corpo do meu filho e fizeram o serviço pensando que era bem feito. Porque não encontrando o corpo, não teria crime”, disse o pai da vítima.
O crime foi em 2004, mas ainda falta julgar o acusado de ser o mandante: o ex-vereador Luís Pedro. Seu Sebastião diz que só vai descansar quando o crime for esclarecido e ele encontrar o corpo do filho.
“Para mim, na hora que eu estava plantando essa árvore, eu estava sepultando o meu filho. Então, para mim, até hoje, o meu filho está sepultado aqui”, diz ele.

Fonte: G1