Foto tirada
em 1993 mostra um dos dois saolas capturados no Vietnã. Ambos morreram
no cativeiro meses após serem presos. O animal é um dos mamíferos que
mais corre risco de extinção
Em maio de 1992,
uma equipe de pesquisa de biólogos decidiu investigar um trecho remoto
da selva ao longo da fronteira ocidental do Vietnã. Depois de nove dias
na trilha, o grupo estava ficando sem alimentos, então dois membros
foram enviados a um povoado vizinho para comprar provisões.
Os
dois homens esperavam apenas comprar hortaliças, mas na parede da cabana
de um caçador, se depararam com algo espetacular: um par de chifres
longos, reluzentes, afiados e retos. Os biólogos nunca haviam visto algo
do gênero.
Os chifres pertenciam a um saola, espécie de boi
selvagem antes desconhecido pela ciência. "De repente, o mundo
científico tinha diante de si a prova de uma nova criatura viva, grande e
anteriormente impensável", escreve William deBuys em seu lírico novo
livro, "The Last Unicorn: A Search for One of Earth's Rarest Creatures"
(o último unicórnio: a busca por uma das criaturas mais raras da Terra,
em tradução livre).
Era um animal diferente de tudo – não apenas
uma espécie nova, mas também um gênero novo, um mamífero sem parentes
próximos conhecidos. O saola tem glândulas olfativas estranhas no
focinho pontilhado de branco e uma natureza anormalmente calma. Vistos
de lado, os dois chifres parecem um só.
"Como aquela outra
criatura de um chifre só, ele se aproxima de ser a apoteose do
indescritível, da personificação da magia na natureza. Ao contrário do
unicórnio, no entanto, o saola tem corpo. Ele vive e pode morrer",
assegura o livro.
Na verdade, o saola corre grave ameaça; seu
pequeno habitat, nas Montanhas Anamitas, ao longo da fronteira entre
Laos e Vietnã, está sendo continuamente destruído. Traficantes
contrabandeiam pau-rosa da floresta e caçadores ilegais perseguem uma
gama de animais raros muito cobiçados por cozinheiros e praticantes da
medicina tradicional chinesa.
O saola não é a presa mais
valiosa, mas as armadilhas de arame não fazem discriminação. "O saola
ocasional é um transeunte, que caiu no caos geral", escreve o autor.
Entretanto, deBuys deixa claro que salvar o saola não será fácil.
Nenhum ocidental viu um exemplar na natureza e os cientistas não sabem
quantos desses animais esquivos ainda vagueiam pela floresta ou se a
espécie descoberta há pouco tempo já está extinta.
Nas palavras
de deBuys, "os desafios da conservação do saola beira a epistemologia:
como salvar um fantasma quando não se sabe se ele existe?".
O
livro é um relato de aventura e meditação, uma leitura evocativa que
deixa claro por que zonas silvestres são importantes e como é difícil
salvá-las.
Conservacionista e escritor sobre a natureza, deBuys
ouviu falar do saola em 2009, quando um integrante da plateia de uma
conferência que ele apresentava sugeriu que escrevesse sobre o animal.
Dois anos depois, ele estava no Laos, acompanhando o biólogo Bill
Robichaud em uma viagem de três semanas à Área Protegida Nacional de
Nakai-Nam Theun, procurando sinais do bicho.
DeBuys registra a
expedição em todos os seus detalhes punitivos. O terreno é inclemente e o
autor e seus companheiros são forçados a avançar pela floresta densa,
riachos escorregadios e montanhas íngremes. Eles lutam contra a fadiga, a
desidratação e a doença.
E encontraram provas de como a
floresta inteira está sendo pilhada, deparando-se com acampamentos de
caçadores ilegais, coletando centenas de armadilhas e descobrindo as
carcaças de animais ameaçados que simplesmente botaram o pé no lugar
errado. Robichaud tenta lidar com guias pouco cooperativos e conquistar o
apoio de moradores temerosos de vilarejos vizinhos, enquanto vasculha a
floresta em busca de sinais de um animal raro e misterioso que pode ou
não estar extinto.
A tarefa pode ser vista como algo impossível,
mas deBuys assinala que existem inúmeros motivos para proteger
Nakai-Nam Theun e outras áreas selvagens do planeta. Tais locais podem
abrigar espécies raras que oferecem novos vislumbres da biologia e detêm
segredos dos próximos remédios milagrosos. E essas regiões desempenham
serviços ecológicos vitais, tais como aprisionar dióxido de carbono da
atmosfera ou purificar naturalmente a água.
Todavia, o que mantém a fé dos conservacionistas não são essas considerações eminentemente práticas. É a beleza.
"Nós estamos encantados pelas criaturas belas não só porque dão prazer e
inspiram reverência, mas porque possuem uma carga feito uma partícula
ionizada", escreve deBuys.
"Ponha um saola, mesmo um saola que
não se pode ver, em uma floresta e a floresta, como se tivesse um
unicórnio, adquire uma energia que não pode ser descrita. Ela se torna
espiritual; ela ganha a força da gravidade, o peso da água, o flutuar da
pena."
Fonte: Uol Notícias