
Curiosidade faz com que as imagens repercutam nas redes sociais,
gerando constrangimento e mais sofrimento às famílias das vítimas
fotos: érika fonseca
Em meio à discussão gerada em torno da exposição do corpo do cantor
Cristiano Araújo, 29, durante a preparação do corpo do artista para o
velório, profissionais da Perícia Forense do Ceará (Pefoce) denunciam
que a situação é comum no Estado, nos locais de crime.
Peritos lotados
na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) dizem que encontram
todos os dias pessoas filmando e fotografando os trabalhos periciais e
compartilhando em redes sociais.
O perito criminal Leão Júnior afirmou que ele e os colegas fazem o que
está ao alcance para evitar que as imagens sejam gravadas, mas nem
sempre é possível fiscalizar a multidão que se forma em volta do
cadáver, com a chegada da perícia. O também perito Thiago Lobo diz que,
em alguns casos, é preciso pedir ajuda à PM para controlar a quantidade
de pessoas filmando o corpo sendo analisado.
Reforço da PM
"Não entendo para que filmam, porque não é agradável para ninguém ver
este tipo de imagem. Não é vantagem se mostrar em um local onde
aconteceu um homicídio. Sempre que vejo alguém filmando, peço para
apagar. Em alguns casos, é necessário pedir ajuda da PM, para que os
policiais digam às pessoas que é proibido fazer imagem para divulgação",
declarou Lobo.
Leão Júnior declarou que o local de crime tornou-se uma espécie de
espetáculo, onde cada vez mais curiosos comparecem. "Existe uma atração
mórbida das pessoas por aquela situação. Nossa função é fazer um exame
minucioso no corpo que está em via pública, inclusive nas partes
íntimas.
Quem grava estes vídeos expõe até isto, o momento em que os
corpos estão praticamente despidos. É um absurdo, uma afronta à
dignidade da família, que muitas vezes está presente. É desumano
divulgar um momento como aquele".
O perito disse que já existe até a ideia de 'esconder' o cadáver para
afastar a multidão. "Pensamos em utilizar um biombo para facilitar os
trabalhos da perícia e afastar os curiosos. O isolamento precisa ser
amplo o suficiente para que o corpo não fique tão à mostra", declarou.
Para o servidor da Pefoce, o compartilhamento das imagens denuncia uma
fase de acomodação da sociedade com a violência. "A violência está
virando uma cultura e é muito perigoso incentivar isto. É como se as
pessoas tivessem se acostumado com o que há de mais degradante na
civilização, que é o crime.
O mundo parece estar perdendo a capacidade
de se indignar com a morte. Os curiosos chegam a tirar fotos deles
mesmos com o cadáver ao fundo, para provar que testemunharam o fato
trágico", disse Leão Júnior.
Crime
O delegado Leonardo Barreto, da Divisão de Homicídios e Proteção à
Pessoa (DHPP), disse que é crime tipificado no Código Penal Brasileiro
(CPB) o desrespeito à memória dos mortos. A divulgação de imagens de um
corpo em situação degradante pode ser enquadrada no artigo 212 do CPB,
que denomina a prática como vilipêndio de cadáver. A punição para quem
comete este delito é de uma a três anos de detenção.
"Dependendo da conotação que a pessoa dê à utilização das imagens pode
ser entendida como vilipêndio de cadáver e ainda pode gerar uma ação de
danos morais à família. A análise do conteúdo das imagens pode ainda
remeter ao entendimento de que houve uma incitação a violência", disse o
delegado.
Barreto lembra que não só quem grava as imagens pode ser punido. Quem
compartilha ou propaga é cúmplice do crime e também está passível de ser
autuado em flagrante. "É uma coisa que precisa sim ser punida. Não pode
se tornar comum".
O delegado afirmou que a Polícia tem tentado preservar a memória da
vítima, em respeito às famílias, mas não conta com a população. "A
memória do morto tem direito à dignidade. A família não precisa ser
exposta a uma situação mais trágica do que ela já é por natureza".
Márcia Feitosa
Repórter
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste