Autodidata, o escultor Assis
Filho desenvolveu um São Sebastião inspirado na lenda do tesouro de Ipu
Era sábado e Assis tomava café em Fortaleza quando o celular tocou. Na tela, um DDD de fora o fez pensar que poderia ser algum trote ou telemarketing, mas ao ouvir a apresentação do carnavalesco Severo Luzardo do outro lado da linha, entendeu que, na verdade, estava diante de uma oportunidade de trabalho. O representante da escola de samba União da Ilha do Governador, que em 2019 homenageia o Ceará na Sapucaí, com o enredo "A peleja poética de Rachel e Alencar do avarandado do Céu", admirava de longe as esculturas do cearense e não hesitou em convidá-lo para contribuir no carro abre-alas da agremiação.
Severo queria um São Sebastião
expressivo para introduzir a escola na avenida do samba com uma referência à
história do Tesouro de Ipu que tinha o santo como guardião. Esta e outras
lendas daqui (Esfinge de Quixadá, O Velho Guajará e Pássaro Urutaú) vão
ilustrar o primeiro setor do desfile, que inclui três das 29 alas da União da
Ilha no ano que vem.
A expressão de dor de São
Sebastião foi solicitada pelo carnavalesco Severo Luzardo/Saulo Roberto
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"O desafio era fazer uma
coisa mais contida, mas mostrando alguma dor, algum sofrimento. Então, eu
tentei pegar o momento em que ele recebe as flechas", conta o escultor
Assis Filho, que recorreu às imagens da internet e à própria inventividade para
alcançar o resultado no prazo de um mês, concentrando assim a maior parte do
trabalho em duas semanas.
Soldado romano que foi
martirizado por professar e não renegar a fé em Jesus Cristo, o santo católico
aparecerá no carro alegórico em frente a uma catedral, agigantado em relação à
maquete de Assis, de apenas 57 cm. Essa ampliação foi feita a partir de
fotografias enviadas pelo artista. "Agora ele tem 6m de altura e foi reproduzido
aqui no Rio de Janeiro por uma equipe de 18 pessoas que fizeram o trabalho de
Assis ser reproduzido no isopor", explica Severo. O tratamento em massa, a
fibra e a pintura conferiram um aspecto amadeirado à escultura final.
Trajetória
Quando começou a brincar de
massinha, aos 5, 6 anos de idade, Assis moldou ali o seu futuro. Autodidata,
ele desenvolveu a habilidade ao longo da vida e nunca trabalhou com outra coisa
que não tivesse relação com seu talento manual. "Com uns 14 anos, uns amigos
de um tio meu começaram a ver e a comprar umas coisas que eu fazia. E aí deram
a ideia dele me levar ali na Bronx, na Galeria Pedro Jorge. Lá eu conheci o
Davi (dono da loja), ele gostou dos meus bonecos e eu comecei a vender",
contextualiza o artista, hoje aos 30.
Assis filho exibe um dos
exercícios que faz a partir do corpo humano/Saulo Roberto
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Naquela época, Assis fazia alguns
objetos que se aproximavam da cultura de rua, proposta da Bronx. Foi lá que
teve o primeiro contato com biscuit. E a partir dali um leque se abriu. Em
diálogo com um amigo ilustrador, a partir de 2007, o artista começou a
trabalhar para campanhas publicitárias, transformando ilustrações em pequenas
esculturas.
Só em 2011, ele faria o primeiro
curso de Escultura Figurativa, com Alex Oliver. "Na época eu já gostava
muito desse tipo de trabalho, dessa coisa mais realista, e eu achava que era
algo impossível de aprender, mas aí em contato com o Alex eu conheci outros
artistas também e eu vi que era possível. Era só estudar que dava certo".
Nesse processo, Assis teve que aprender inglês, de forma autodidata, para ter
acesso à bibliografia do assunto.
Figuras humanas e em pequena
escala são as preferências de Assis na hora de trabalhar/Saulo Roberto
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Os livros ajudaram a especializar
o escultor, que começou a se dedicar mais à criação e/ou reprodução de figuras
humanas, de tamanhos reais, e com preços variando entre mil e dez mil reais.
Hoje, sua obra passa por etapas planejadas. "Eu começo a modelagem com a
plastinina, que é como uma massinha de modelar, ou com a argila. Aí eu vou e
faço o molde dela de silicone, de gesso, de fibra, como um negativo dessa
modelagem que eu fiz. A partir daí eu passo pra um outro material, que pode ser
resina, pode ser concreto, pode ser bronze também", descreve.
Ainda incerto quanto à ida ao Rio
de Janeiro para contemplar a reprodução de seu São Sebastião, Assis faz planos
apenas de iniciar as aulas de longa duração que pretende ministrar na casa nova
a partir do ano que vem. A expectativa é que o padroeiro de Ipu e do Rio de
Janeiro também abra novas portas para ele daqui para frente.
Algumas das ferramentas do
escultor Assis Filho/Saulo Roberto
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Saiba mais:
A lenda do Tesouro de Ipu
Reza a lenda que numa gruta do
Ipu, no interior do Ceará, um dragão foi guardião de um tesouro muito antigo
trazido por antepassados da cordilheira dos Andes. Nesse período, um imigrante
holandês, ao descobrir uma forma de fazer o monstro dormir, conseguiu roubar um
pouco da riqueza e guardá-la em frente à Igreja de São Sebastião. Mas quando
voltou para pegar o restante, foi morto pelo dragão. Depois disso, um homem
chamado João da Costa Alecrim levou o tesouro escondido junto ao santo
guardião, e passou o resto dos dias sendo julgado pela população pela ação de
desrespeito para com o padroeiro da cidade.
Fonte: Diário do Nordeste