Do total de 35 militares indiciados pela
Polícia Civil, apenas 19 foram denunciados pelo MPCE. O vice-prefeito
virou réu por contribuir na alteração da cena do crime. Inquérito pediu a
prisão preventiva de 15 PMs, mas MP opinou por afastamento de funções;
Justiça arquivou participação dos demais envolvidos.
O Ministério Público do Estado acolheu,
em parte, o relatório policial que investigou a atuação dos militares
envolvidos na operação que levou às 14 mortes no município de Milagres
na madrugada de 7 de dezembro de 2018. A denúncia, aceita ontem pelo
juiz Judson Pereira Spíndola Júnior, da Vara Única da Comarca de
Milagres, reconhece que todos foram mortos pelos policiais militares,
mas distingue as justificativas: oito suspeitos de assalto teriam sido
mortos em "legítima defesa", outros dois foram executados e cinco dos
seis reféns (familiares de Pernambuco) teriam sido assassinados em
circunstância de dolo eventual, quando não é a intenção direta, mas se
assumiu o risco.
Os policiais José Azevedo Costa Neto,
Edson Nascimento do Carmo e Paulo Roberto Silva dos Anjos são
denunciados diretamente pelas mortes dos reféns Cícero e Gustavo
Tenório, Claudineide Campos (pai, filho e mãe, respectivamente) e João
Batista e Vinícius Magalhães (pai e filho).
"As imagens da câmera instalada em um
estabelecimento comercial na rua José Esmeraldo comprovam que, apesar da
condição indefesa dos reféns, os denunciados seguiram atirando contra
os mesmos até a calçada da Farmácia Santa Cecília, quando estavam a
menos de 10 metros do injustificável alvo", diz o Ministério Público.
Conforme revelado com exclusividade pelo
Diário do Nordeste em março deste ano, todos os reféns foram mortos
pela PM com tiros de fuzil. Também confirmamos, ainda em dezembro, que
policiais agiram na intenção de apagar imagens de câmeras.
Morte da cearense
Nenhum policial, no entanto, foi
denunciado pelo MPCE pela morte da cearense Francisca Edneide. Embora a
Perícia tenha constatado que o tiro partiu dos policiais do Grupo de
Ações Táticas Especiais (Gate), o entendimento é de que houve troca de
tiros com os ocupantes do veículo em que estavam a cearense Francisca
Edneide e a mãe, Maria Lurilda, esta sobrevivente.
Foram denunciadas, no total, 20 pessoas,
sendo 15 militares por homicídio qualificado e quatro militares e um
civil por fraude processual, pois houve alteração na cena do crime.
Entre os denunciados por fraude estão o tenente-coronel Cícero Henrique
(ex-comandante do BPChoque), o vice-prefeito de Milagres, Abraão Sampaio
e o tenente Georges Aubert, secretário de Segurança daquele município.
De acordo com a Polícia Civil, o tenente coronel Cícero Henrique, que
estava na saída da cidade dando suporte à operação, surgiu na cena dos
crimes minutos após o cessar fogo e liderou a retirada dos corpos e
projéteis, bem como a destruição de imagens das câmeras do supermercado
Burungandas.
Imagens recuperadas
O laudo pericial que recuperou as
imagens apagadas atestou que o disco que continha o registro foi
formatado duas vezes entre 6h52 e 7h52 da sexta-feira, 7 de dezembro. As
imagens foram apagadas pelos militares Joaquim Tavares de Medeiros e
Antônio Natanael Vasconcelos Braga, ambos do Gate. O vice-prefeito de
Milagres, Abraão Sampaio, também está entre os denunciados por fraude
processual, pois houve alteração na cena do crime, ao retirar os corpos
dos reféns na caçamba de seu veículo Amarok, conforme a nossa
investigação jornalística revelou ainda em dezembro de 2018.
"As vítimas levadas ao hospital na
caçamba do veículo do denunciado já estavam todas mortas, inclusive
foram levadas direto para o necrotério, já que apresentavam lesões
incompatíveis com a vida, pois provocadas na cabeça", relatam os
promotores de Justiça, com base no depoimento do médico plantonista
Francisco Erlon Furtado.
O Ministério Público do Estado ainda
denunciou por homicídios dolosos diretos dos assaltantes Lucas Torquato
Loiola Reis e Rivaldo Azevedo dos Santos. Ambos foram executados por
policiais do Cotar em duas diferentes circunstâncias. A execução do
suspeito Lucas Torquato, revelada em dezembro pela nossa reportagem,
ocorreu na comunidade de Campo Agrícola, quando a vítima já estava
rendida e presa na casa de um morador. O seu comparsa, Rivaldo Azevedo,
foi levado preso na viatura pelos policiais. Estão enquadrados por
homicídio qualificado de ambos os assaltantes os policiais Leandro Vidal
dos Santos, Alex Rodrigues Rezende, Daciel Simplício Ribeiro e Fabrício
de Lima Silva, integrantes do Policiamento Ostensivo Geral (POG) de
Milagres, e os PMs José Marcelo de Oliveira, José Anderson Silva Lima,
João Paulo Soares de Araujo, Sérgio Saraiva Almeida, Sandro Ferreira,
Diego Oliveira, Alienai Carneiro dos Santos e José Maria de Brito, todos
integrantes do Comando Tático Rural (Cotar).
Executado após prisão
De acordo com imagens do circuito
interno da delegacia de Milagres, após preso, Rivaldo foi levado ao
destacamento, mas apenas PMs teriam entrado no lugar para pegar uma
arma. Rivaldo teria indicado o local que serviu de base para a quadrilha
na zona rural do município de Barro e, após passar a informação,
executado pelos PMs.
"Houve clara execução. O Rivaldo quem
levou os policiais até o imóvel. Eles não iriam descobrir nunca onde
tinha sido a base da quadrilha", disse um dos investigadores à nossa
reportagem.
O MPCE interpretou como "legítima
defesa" a ação que levou às mortes dos outros oito suspeitos de ataques a
bancos. Embora a desastrosa operação que frustraria o roubo tenha
envolvido diretamente 12 policiais do Gate, estes foram divididos em
três equipes na madrugada.
A equipe liderada pelo então comandante
do Gate major Antônio Cavalcante aproximou-se pela rua Padre Misael
Gomes, enquanto a equipe comandada pelo tenente Medeiros aproximou-se
pela Avenida Getúlio Vargas; e a equipe comandada pelo capitão Azevedo
avançou pela rua José Esmeraldo da Silva. Os confrontos comandados pelas
equipes de major Cavalcante e tenente Medeiros foram classificados como
legitima defesa, enquanto a equipe do capitão Azevedo executou os
reféns.
Fonte: Diário do Nordeste