"Quanto tempo vou ter que viver com medo?"
Foto: Twitter. |
Foi o que se perguntou Luz Raquel
Padilla Gutiérrez em 17 de maio, quando publicou no Twitter as fotos de
uma mensagem ameaçadora que foi pichada nas escadas de seu apartamento
em Zapopan, no Estado de Jalisco, no México.
"Vou te queimar viva", "Você vai morrer, machorra (vaca)", dizia.
Pouco
mais de dois meses depois, Padilla morreu nesta terça-feira (19/7) por
queimaduras sofridas no último sábado (16/7), quando um grupo de pessoas
a encharcou de álcool e a queimou em um parque perto de sua casa.
Padilla, de 35 anos, havia feito uma
denúncia na delegacia contra um vizinho por problemas de convivência e
suposta agressão física e verbal, a partir da qual foi instaurado um
inquérito.
No mesmo dia em que publicou as fotos das ameaças, ela também afirmou ter sido atacada por seu agressor com cloro industrial.
O
Ministério Público de Jalisco informou nesta quinta-feira (21/7) a
prisão de um de seus vizinhos, Sergio Ismael "N", como suspeito dos
crimes de "lesões, ameaças e crimes cometidos contra a dignidade das
pessoas" após a denúncia apresentada por Padilla.
O subsecretário de Segurança, Ricardo
Mejía, declarou que o detido compareceu perante as autoridades na
quarta-feira (20/7) como testemunha em relação ao processo aberto por
esse assassinato.
No
entanto, esclareceu que sua prisão está vinculada a esse processo
criminal anterior e "independente" do caso de feminicídio, embora
"eventualmente também possa ser indiciado por esse crime", disse.
Padilla era mãe e cuidadora de um
filho de 11 anos diagnosticado com autismo. Segundo a organização Yo
Cuido México — à qual ela pertencia e que reúne outros cuidadores de
pessoas dependentes — "as constantes ameaças de morte" se deviam à
"intolerância aos barulhos que seu filho fazia em momentos de crise".
"Ela
se dedicava totalmente a cuidar do filho (...). Era a vida dela estar
ao lado do filho", lembra Mily Cruz Díaz, coordenadora em Jalisco do
coletivo Yo Cuido México.
A criança está atualmente sob os cuidados da avó e da tia.
A
brutalidade do caso, as ameaças anteriores e os pedidos frustrados de
proteção de Padilla perante as autoridades estão chocando a população e
causam indignação em um país assolado por uma crise de feminicídios.
Possíveis agressores
Após
o crime, a polícia e os serviços médicos municipais foram ao local,
onde encontraram a vítima com queimaduras - que posteriormente foram
estimadas no hospital em mais de 80% do corpo.
Vários
meios de comunicação mexicanos informam que, segundo testemunhas, o
grupo agressor era composto por cinco pessoas: quatro homens e uma
mulher.
Desde então, o Ministério Público de
Jalisco disse que está realizando "várias ações tanto em campo quanto no
gabinete para obter informações sobre a identidade dos agressores".
O
vizinho denunciado por Padilla voluntariamente apareceu para depor na
quarta-feira, segundo o promotor de Jalisco, Luis Joaquín Méndez Ruiz.
Ele
foi interrogado e posteriormente foi expedido o mandado de prisão
divulgado nesta quinta-feira pelas supostas agressões que a jovem havia
denunciado.
"De
acordo com os primeiros dados obtidos na pasta de investigação, não há
informações que coloquem essa pessoa no local onde ocorreram os fatos (o
assassinato de Padilla). No entanto, ainda está sendo investigado como
uma das possíveis linhas de investigação", informou o Ministério
Público.
Problemas de convivência
Padilla estava tendo dificuldades com vários de seus vizinhos e frequentemente postava sobre isso no Twitter.
Além
de denunciar a pichação ameaçadora e o ataque com cloro, a vítima
também reclamou do barulho dos vizinhos, do bloqueio do acesso ao
terraço, da realização de festas e de manter um cachorro nas áreas
comuns.
Em seus posts, ela mencionava autoridades como a polícia de Zapopan.
Em
15 de julho, um dia antes de ser atacada fatalmente, a vítima mostrou
sua frustração depois que um de seus vizinhos enviou uma patrulha após
uma crise de seu filho.
"Como
é possível que meu vizinho envie uma patrulha por causa de uma criança
com autismo e epilepsia, por ter uma ou mais crises e bater nas
paredes", reclamou no Twitter.
O caso provocou choque e indignação no México
Como
em outros feminicídios no país, muitos cobram mais responsabilidade das
autoridades pelo que consideram um trabalho insuficiente para proteger
as mulheres.
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, referiu-se ao caso como algo "triste, seu filho doente e ela queimada".
"Talvez
pela minha formação em ciências sociais, eu atribua tudo isso ao
processo de individualização que foi promovido no período neoliberal",
disse ele em referência a este caso e também ao do jovem Debanhi
Escobar, para o qual pediu "imprimir valores e fortalecer os que já
temos" para alcançar "uma sociedade melhor".
No
caso de Padilla, a organização Yo Cuido México diz que a vítima não
recebeu "a devida atenção ou acompanhamento" após se apresentar à
delegacia de Zapopan.
O
grupo também afirma que Padilla teve seu pedido negado para participar
do programa Pulso de Vida, "considerando que as ameaças que ela recebeu
de 'terceiros' não eram motivo suficiente para ser beneficiária".
O
Pulso de Vida é um instrumento com sistema de localização e botão de
pânico que envia um sinal de socorro para que, em caso de emergência, a
patrulha mais próxima do solicitante possa prestar assistência.
A
Comissão Estadual de Direitos Humanos de Jalisco anunciou o início de
uma denúncia pela "suposta falta de diligência reforçada na atenção e
acompanhamento contra o Ministério Público e a Delegacia de Polícia de
Zapopan".
Por
sua vez, Enrique Alfaro, governador de Jalisco, garante que Luz tinha
medidas de proteção em vigor. "Houve patrulhas de vigilância e atenção
pessoal, mas nada foi suficiente diante de tamanha atrocidade", disse
Alfaro.
"É
obrigação das autoridades aplicar medidas efetivas para proteger as
mulheres que denunciam e testemunhas de violência de gênero antes,
durante e depois de ações judiciais", tuitou a agência das Nações
Unidas, ONU Mulheres, em uma mensagem na qual condena o assassinato de
Padilla.
Fonte: G1