A pena de reclusão foi substituída pela prestação de serviços comunitários e o pagamento de R$ 15,2 mil

O vereador de Caridade Orlando Victor Bezerra Lopes (PT) foi condenado por violência política de gênero contra a vereadora Sad Lutfi (PSD). A pena foi de 2 anos, 11 meses e 21 dias de reclusão em regime semiaberto. Ainda cabe recurso.
Contudo, a pena foi substituída por prestação de serviços comunitários pelo mesmo período e pagamento de pouco mais de R$ 15,2 mil — que deve ser destinado a entidades que atuem na proteção dos direitos das mulheres localizadas em Caridade. A ação foi movida pela Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero, da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece).
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Na decisão, o juiz Caio Lima Barroso, da 111ª Zona Eleitoral, afirma que houve "claro intuito de desqualificar e constranger a parlamentar em razão de sua atuação política e de gênero" e que a atuação como parlamentar "não pode servir de justificativa para práticas ofensivas e discriminatórias".
"O réu dirigiu ofensas à vereadora com a intenção deliberada de comprometer sua imagem e dificultar o exercício regular de seu mandato", continua o magistrado.
"A condição da vítima como agente política, aliada ao abalo emocional por ela sofrido, evidencia a gravidade do comportamento do acusado e seus reflexos negativos no desempenho da função pública".
O que diz o vereador
Por meio da assessoria jurídica, Orlando Victor Bezerra Lopes manifestou "veemente discordância" quanto à sentença, apesar de enfatizar o "profundo respeito à Justiça". "A defesa reitera a inocência do parlamentar e manifesta plena confiança de que a decisão será integralmente revertida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE)", continua a nota.
Ainda segundo a defesa do parlamentar, as declarações proferidas por ele "se inserem em um debate político e em uma legítima reação a provocações anteriores", sendo um "exercício de autodefesa".
"Toda a população de Caridade sabe que o Vereador Orlando, ao invés de algoz, é vítima. Vítima de uma perseguição implacável do poder local, incomodado com sua postura oposicionista firme e destacada. Ele confia plenamente na Justiça e aguarda com serenidade a decisão do Tribunal, certo de que a verdade prevalecerá", destacou o advogado de defesa, Júnior Bonfim.
O que aconteceu?
Durante sessão na Câmara Municipal de Caridade, no dia 11 de outubro de 2024, a vereadora Sad Lufti subiu à tribuna para "expor as dificuldades enfrentadas durante o período eleitoral e relatar os atos de violência que sofreu", inclusive com uma medida protetiva para que o vereador não pudesse se aproximar dela.
As exceções seriam as sessões da Câmara de Vereadores e as audiências no Poder Judiciário, segundo a denúncia feita à Justiça Eleitoral. Nela, é citado que Orlando teria "descumprido a medida protetiva".
Ainda de acordo com o relatado, naquele dia, o vereador teria subido à tribuna logo depois da fala de Sad Lufti para respondê-la. O discurso dele é transcrito na decisão.
"Distância de Vossa Excelência, faz muito tempo que eu venho tendo, muito tempo. Não se preocupe, não precisa de medida protetiva, nada disso. Até porque bandido em caridade não sou eu", disse o vereador. Ele disse que estaria recorrendo da decisão e "tomando todas as medidas, porque nós sabemos como tudo ocorreu".
"Mas, tranquilamente, isso não me atinge, porque o que vale é a minha consciência tranquila. E, possivelmente, vou até mandar fazer um pedestal para colocar a senhora como mais uma santa padroeira do município, porque, pela fala, é como se nunca tivesse agido também de má-fé", finalizou.
Segundo testemunhas ouvidas durante o processo, Orlando e Sad foram "amigos próximos", mas, "após o rompimento político, o acusado passou a desrespeitá-la, com episódios recorrentes de deboche, expressões faciais depreciativas e insultos durante as sessões, comportamento que se estenderia há cerca de seis anos".
Depoimento dos envolvidos
Durante interrogatório, o vereador Orlando negou as acusações de violência política de gênero e disse não ter "ter agredido ou humilhado a vereadora". Ele confirmou ainda que os dois já haviam sido amigos e que se "surpreendeu" com a menção à medida protetiva.
"Disse ter se sentido magoado com a fala e que agiu por necessidade moral de se defender", relata a decisão da 111º Zona Eleitoral, publicada na última quarta-feira (9).
"Declarou não compreender a origem do temor manifestado por SAD,
ressaltando que, na ocasião, expressou felicidade com o resultado
eleitoral e afirmou que não havia necessidade de medidas protetivas,
pois não era bandido. (...) Esclareceu que sua fala sobre 'não ter
bandidos na família' não teve a intenção de ofender a vereadora ou sua
família, e que desconhece qualquer envolvimento de familiares dela com a
Justiça. Quanto à referência a fazer uma estátua dela, afirmou que foi
uma resposta à população".
Decisão da 111º Zona Eleitoral
O magistrado relata ainda como foi o depoimento de Sad Lufti e que ela disse ter "se sentido constrangida", já que o objetivo de ler a sentença era garantir o cumprimento da medida protetiva. "E que, após novo pedido de respeito, que era uma coisa constante, foi novamente desrespeitada, saindo do local aos prantos", relata.
Ao decidir pela condenação do réu, o juiz Caio Lima Barroso descartou a "suposta autodefesa" exercida pelo vereador e disse que "a conduta do réu extrapolou os limites da legítima manifestação de inconformismo, configurando-se como reprovável e desproporcional".
Na sequência, o magistrado reforçou o enquadramento da conduta no crime de violência política de gênero "cuja consumação independe da ocorrência de resultado concreto". "Basta a prática de atos que configurem constrangimento ou intimidação com o propósito de dificultar ou impedir o exercício dos direitos políticos por mulheres para que o delito se configure", destacou.
Frente Parlamentar
A Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero, vinculada à Alece, foi a responsável por apresentar notícia-crime sobre o fato na Justiça Eleitoral.
Coordenadora da Frente, a deputada estadual Larissa Gaspar (PT) comemorou a condenação por "condutas discriminatórias, persecutórias e ofensivas contra a vereadora Sad".
"Temos sido uma voz ativa em defesa dos direitos das mulheres e da democracia. Não silenciaremos diante de nenhuma tentativa de afastar as mulheres dos espaços de poder e decisão. Seguimos juntas na luta por um mundo mais igual, onde nossas vozes sejam ouvidas e respeitadas. Sem a participação política das mulheres, não há democracia", completou.
Leia a nota da defesa do vereador Orlando Victor Bezerra Lopes, na íntegra:
O vereador Orlando Victor Bezerra Lopes, por meio de sua assessoria jurídica, vem a público manifestar seu profundo respeito à Justiça, mas expressar veemente discordância com a sentença proferida em primeira instância na Ação Penal Eleitoral nº 0600291- 92.2024.6.06.0111, que o condenou pelo suposto crime de violência política de gênero. A defesa reitera a inocência do parlamentar e manifesta plena confiança de que a decisão será integralmente revertida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE).
A sentença, que impôs penas restritivas de direitos, decorre de um episódio ocorrido em sessão da Câmara Municipal de Caridade, em 11 de outubro de 2024. Na ocasião, o vereador Orlando proferiu um discurso que, segundo a acusação, configuraria assédio, constrangimento e humilhação a uma vereadora, com a finalidade de impedir ou dificultar o desempenho de seu mandato.
Desde o início do processo, a defesa do vereador Orlando Victor Bezerra Lopes tem sustentado que as declarações proferidas em plenário se inserem em um debate político e em uma legítima reação a provocações anteriores, caracterizando-se como um exercício de autodefesa diante de uma situação que o colocava sob falsa imagem. O artigo 29, inciso VIII, da Constituição Federal garante a “inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município”.
Toda a população de Caridade sabe que o Vereador Orlando, ao invés de algoz, é vítima. Vítima de uma perseguição implacável do poder local, incomodado com sua postura oposicionista firme e destacada. Ele confia plenamente na Justiça e aguarda com serenidade a decisão do Tribunal, certo de que a verdade prevalecerá.
*Diário do Nordeste