Total de visualizações

!!

!!

Gravações revelam que deputado Rodrigo Bethlem recebia propina na Prefeitura do Rio e mantém conta na Suíça

Vanessa Felippe, ex-mulher de Bethlem, conhecido como "Xerife do Rio", gravou também vídeos mostrando como ela recebia pensão: R$ 20 mil em dinheiro vivo

Numa conversa tensa em novembro de 2011, o deputado federal Rodrigo Bethlem, do PMDB do Rio de Janeiro, acertava com a empresária Vanessa Felippe detalhes do divórcio dos dois, como o valor que ele pagaria de pensão.

Bethlem pedira licença da Câmara dos Deputados naquele ano para servir à prefeitura, como secretário municipal de Assistência Social. A discussão se estendeu por duas horas e meia na casa de Vanessa, num luxuoso condomínio da Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade.

Seria apenas uma briga de casal, sem interesse público, não fossem as revelações comprometedoras que Bethlem fez a Vanessa. Bethlem contou que embolsava aproximadamente R$ 85 mil por mês, além de seu salário como secretário.

Na conversa, ele sugere que se tratava de propina oriunda de contratos da Secretaria, incluindo um convênio para cadastrar beneficiários do Programa Bolsa Família.

Bethlem também afirmou ter uma conta bancária na Suíça e praticamente admitiu caixa dois em suas campanhas eleitorais. Vanessa gravou toda a conversa, mas a manteve em segredo por mais de dois anos. ÉPOCA revela agora o áudio, inédito (ouça abaixo).
Bethlem começou a pagar a pensão em 2012. Em vez de cheques ou depósito na conta bancária, Vanessa conta que recebia em casa pacotes com dinheiro vivo. Cada remessa continha R$ 20 mil em notas de R$ 100.

Vanessa reclamava que a quantia era insuficiente para bancar as despesas domésticas. Ela decidiu instalar câmeras escondidas na casa e filmou pelo menos três entregas de dinheiro. Os pacotes eram trazidos por um assessor do gabinete de Bethlem na Câmara dos Deputados em Brasília. ÉPOCA também obteve com exclusividade cópias das filmagens (assista a uma delas ao lado. A gravação recebida por ÉPOCA não tem cortes. Na edição aqui publicada, apenas foi retirado o trecho em que Vanessa conversa com outra pessoa sem relação com o recebimento do dinheiro e se desloca em direção à câmera para pegá-la e virá-la para o jornal que, diz ela, é daquele dia).

A pedido de ÉPOCA, o perito Ricardo Molina analisou os vídeos e também a gravação da conversa de 2011. “Não foi encontrado, ao longo de nenhuma das três gravações periciadas, qualquer indício de manipulação fraudulenta”, diz o laudo de Molina. “Todas (as mídias) estão íntegras e sem descontinuidades, podendo ser consideradas autênticas para todos os fins técnico-periciais.” (O vídeo abaixo foi gravado, segundo Vanessa, em  5 de novembro de 2012, mostra o recebimento de R$ 20 mil. Ela afirma que o dinheiro era enviado por seu ex-marido por meio de José Carlos de Oliveira Franco, secretário parlamentar nomeado para o gabinete de Bethlem. A gravação recebida por ÉPOCA não tem cortes. Na edição, apenas foi retirado trecho em que Vanessa se desloca em direção à câmera para pegá-la e virá-la para o jornal, que diz ela, é daquele dia. Ela conta as notas de R$ 100.)
Bethlem, de 43 anos de idade, trilhou o caminho da política bastante jovem. Filho da atriz Maria Zilda, foi nomeado aos 22 anos subprefeito da Lagoa, bairro da Zona Sul carioca, pelo então prefeito César Maia, hoje no DEM. Alguns anos depois, assumiu a subprefeitura de Jacarepaguá, na Zona Oeste, região mais populosa da cidade.

 Conseguiu se eleger vereador em 2000. O sucesso político veio pelas mãos do prefeito Paes. No primeiro ano de mandato, em 2009, Paes nomeou Bethlem secretário de Ordem Pública. Sua missão era aplicar “um choque de ordem” na cidade e organizar desde estacionamentos de carros até mesas de bares que invadiam calçadas.

A vitrine do trabalho foi a fiscalização nas praias, tomadas por um exército de ambulantes. As ações na orla de Ipanema, Leblon e Copacabana, bairros da Zona Sul frequentados por turistas, tiveram destaque no jornal The New York Times em fevereiro de 2010. Bethlem conquistara o apelido de “Xerife do Rio”. 
GRAMPO Vanessa Felippe, ex-mulher de Bethlem. Ela gravou as conversas sem ele saber (Foto: reprodução)
Por quase 20 anos, ele foi casado com Vanessa, e com ela teve dois filhos. Somente em 2008 que eles oficializaram a união em cartório.

 Filha do vereador Jorge Felippe (PMDB), atual presidente da Câmara Municipal do Rio, Vanessa, de 41 anos, também seguiu o caminho da política na juventude. Bonita, loura de olhos verdes, ela foi eleita a deputada federal mais jovem do Brasil aos 22 anos, em 1994, pelo PSDB. Conquistara o eleitorado do bairro de Bangu, na Zona Oeste do Rio, base eleitoral do pai.

Jorge se tornou braço direito do prefeito Paes no Legislativo. Vanessa afirma ter ajudado o marido a conquistar “a marca de Xerife do Rio”. Por causa da colaboração, reivindicou metade de tudo o que ele ganhava, quando discutiu o divórcio, em novembro de 2011.

Na conversa gravada, Bethlem diminui o tom da voz ao falar sobre seus rendimentos. “Por que você está falando baixo? Não tem ninguém aqui”, diz Vanessa. Ele responde que estava “paranoico”. Diz que algum “inimigo” poderia ter grampeado seu telefone e que o aparelho, mesmo desligado, tem como gravar o diálogo. Não poderia imaginar que o perigo era o gravador que Vanessa acionara às escondidas. Bethlem diz que ganhava cerca de R$ 100 mil por mês.

Afirma que sua “principal fonte de renda” era dinheiro proveniente de um dos contratos da Secretaria Municipal de Assistência Social. Tratava-se de um convênio para cadastrar famílias de baixa renda e criar um banco de dados com nomes e endereço de pessoas com direito a inclusão em programas sociais, como o Bolsa Família. Bethlem não conta a Vanessa que empresa fora contratada para o serviço, mas diz que o convênio tem prazo de sete meses.

ÉPOCA fez uma pesquisa em contratos da Secretaria na gestão Bethlem. Com dispensa de licitação e pelo período de sete meses, o secretário Bethlem contratou, em agosto de 2011, a ONG Casa Espírita Tesloo, para cadastrar famílias de baixa renda, pelo valor de R$ 9,68 milhões. Comandada pelo major reformado da Polícia Militar Sérgio Pereira de Magalhães, a Tesloo é alvo de diversas investigações sobre desvio de dinheiro em convênios com a prefeitura, incluindo o assinado por Bethlem,  hoje em análise no Tribunal de Contas do município.

Vanessa quis saber quanto o convênio rendia a Bethlem. “Em torno de R$ 65 mil, R$ 70 mil. Depende do que ele (o contratado) receber. Se prestar contas e não tiver executado todo o serviço, tem uma glosa”, diz Bethlem. Legalmente, órgãos públicos só podem pagar prestadores após a comprovação da execução do trabalho. Bethlem diz a Vanessa que ainda não embolsara o dinheiro naquele mês. “O cara não prestou contas direito.

O cara é um idiota, um imbecil. Não pude pagar o cara este mês, não recebi”, afirma. Ao que tudo indica, havia uma espécie de triangulação. Bethlem mandava a Secretaria pagar a Tesloo, e, em troca, ela desviava um quinhão para seu bolso. A quantia de R$ 70 mil que Bethlem afirmou receber corresponde a 5% da parcela de R$ 1,4 milhão que a Secretaria pagava mensalmente.

Bethlem diz a Vanessa que, além do contrato, há a verba do lanche. “Que lanche?”, quer saber Vanessa. Bethlem explica que “o cara que vende lanche para todas as ONGs” era seu amigo e que ele recebia “em torno de R$ 15 mil” por mês. A Secretaria de Assistência Social tem inúmeros contratos com ONGs para prestação de serviços.

 Na conversa, Bethlem não dá detalhes que possam identificar como ele ganhava dinheiro com o fornecimento de alimentação às ONGs contratadas da prefeitura.

Vanessa somou as verbas do lanche e do convênio ao salário oficial de Bethlem na Secretaria, de R$ 18 mil líquidos (por ser deputado federal, ele tinha direito a manter o salário pago pela Câmara).

Chegou a um ganho mensal de R$ 103 mil e queria a metade, ou R$ 51.500. No começo de 2012, o acordo de partilha parece ter sido cumprido, mas logo Bethlem reduziu o pagamento. Vanessa diz que começou a receber em casa R$ 20 mil em espécie. Sua reação foi filmar a entrega do dinheiro, feita por um emissário de Bethlem.

O homem de bigode, óculos e com ar impaciente que aparece nos vídeos é José Carlos de Oliveira Franco, secretário parlamentar nomeado para o gabinete de Bethlem na Câmara. As imagens mostram Vanessa, com maços de notas de R$ 100 na mão, reclamando, diante de José Carlos, que o valor é insuficiente para pagar as contas domésticas, como tarifas de gás, água e salário de empregados.

Além de relatar ganhos suspeitos na Secretaria de Assistência Social, Bethlem ainda faz mais revelações comprometedoras na conversa de novembro de 2011. Ele relembra discussões anteriores do casal sobre a partilha de bens. Diz que, certa vez, Vanessa ameaçara revelar à polícia a existência de uma conta bancária que ele mantinha na Suíça.

Vanessa nega ter feito a ameaça. Bethlem rebate: “Você por acaso não disse que, se eu não desse a metade (dos bens) para você, muita gente gostaria de saber que eu tinha conta na Suíça?”. Vanessa insiste que não fizera a acusação porque não tinha provas.

Bethlem emenda: “Você está careca de saber que fui à Suíça para abrir uma conta lá... Não seja hipócrita”. Bethlem ainda diz a Vanessa que, por causa da ameaça, quase sofreu um infarto.

Manter dinheiro no exterior não configura crime nem é motivo para taquicardias, desde que o recurso seja declarado à Receita Federal. Bethlem não fez nenhuma referência a uma conta na Suíça nas declarações de bens que apresentou à Justiça Eleitoral em 2006, 2010 e agora em 2014, quando disputa a reeleição para deputado federal.

Procurado por ÉPOCA, Bethlem diz não se lembrar de detalhes da conversa com Vanessa e nega ter recebido propina na Secretaria de Assistência Social. Afirma que não mantém conta na Suíça e que não recebeu contribuição para sua campanha eleitoral. Bethlem diz que determinou a suspensão do contrato para cadastramento das famílias de baixa renda quando constatou que os serviços não eram devidamente prestados. Segundo ele, a ONG recebeu apenas R$ 4,5 milhões. “Se eu tivesse levado alguma vantagem, não teria rescindido o contrato”, afirma. Bethlem diz não “ter a menor ideia” sobre a que se referia quando, no trecho da conversa com Vanessa, falou sobre ter embolsado dinheiro com a venda de lanches para ONGs.

Ele confirma as remessas de dinheiro vivo à casa de Vanessa, mas diz que foi a pedido dela. Segundo Bethlem, Vanessa estava com problemas de crédito e temia que o banco confiscasse a quantia se o valor fosse depositado. “Tenho dinheiro vivo por causa da minha academia de ginástica. Muitos clientes pagam em dinheiro”, diz. O assessor José Carlos afirma não se lembrar das entregas na casa de Vanessa.

Após ÉPOCA falar com Bethlem sobre a gravação, o advogado Jorge Vacite apresentou uma declaração assinada por Vanessa e um atestado médico. Os documentos têm data de 23 de julho, um dia após a entrevista de Bethlem a ÉPOCA. Foi a própria assessoria do deputado que informou sobre os papéis. Na declaração, Vanessa diz sofrer de problemas psiquiátricos e afirma que os documentos que entregou estão fora de contexto.

Ela esteve duas vezes no escritório de ÉPOCA no mês de junho, entregou as gravações e detalhou minuciosamente o conteúdo do material. Houve também diversos contatos telefônicos, em que ela sempre manteve todas as afirmações e explicações dadas. Procurada novamente nesta semana, Vanessa não ligou de volta.

Bethlem e José Carlos podem ter tido apagão de memória. Mas os vídeos e o áudio estão registrados em meio a quase 1 terabyte de arquivos gravados por Vanessa. E, como atestou o perito Molina, eles são autênticos.

Fonte: Revista Época