Após um ano da morte de Gegê e Paca, crime que se tornou marco da
presença da organização criminosa no Estado, O POVO Online relembra como
os grupos de narcotraficantes chegaram ao Ceará há mais de 25 anos
Facções criminosas de Fortaleza ameaçam população com inscrições em paredes (Foto: Mateus Dantas / O Povo). |
Há um ano, no dia 16 de fevereiro de 2018, um helicóptero
pousava em clareira aberta próximo à aldeia indígena Lagoa Encantada,
em Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Minutos depois,
Rogério Jeremias de Simone, conhecido como Gegê do Mangue, e Fabiano
Alves de Sousa, o Paca, eram executados a tiros à queima roupa por
colegas da organização criminosa paulista Primeiro Comando da Capital
(PCC).
O assassinato em plena Região Metropolitana de Fortaleza de dois
integrantes da cúpula da facção – Gegê era o principal chefe do grupo em
liberdade – foi um marco a evidenciar a centralidade que o Ceará passou
a ter na estrutura das grandes facções. O duplo homicídio também
desencadeou internamente mais uma série de rachas internos, conspirações
e mortes no grupo.
As facções no Ceará
A presença das facções criminosas
no Ceará começa a ser registrada no noticiário cearense, nas páginas
do O POVO, há mais de 25 anos, conforme levantamento realizado pelo O
POVO.doc.
Mais antiga que a principal rival, o Comando Vermelho (CV) era a
maior organização criminosa do Brasil e começava a tentar se instalar em
Fortaleza, de acordo com reportagem do O POVO em 17 de outubro de 1993.
Evidência da força que o grupo carioca começava a ganhar na Capital
foi dada na véspera, quando a Polícia Militar “estourou” o que os
agentes definiram como “reduto” do grupo no Estado. Localizado no bairro
Álvaro Weyne, o imóvel era usado para guardar documentos roubados,
papéis usados para embalar drogas e vestimentas usadas em assaltos.
À época, os policiais começaram a desconfiar da presença dos
criminosos na Cidade devido a sinais semelhantes aos que são deixados
hoje pela organização: inscrições em paredes de imóveis com as letras
“CV”. No interior da residência apontada como ponto de encontro dos
criminosos havia diversas inscrições em referência à facção carioca.
Paulistas
Consolidada nacionalmente a partir de 1993, após o massacre do
Carandiru (quando 111 detentos foram mortos após intervenção policial no
presídio em 2 de outubro de 1992), o PCC começou a ganhar força no
Ceará nos anos 2000 com discurso consonante ao da cúpula paulista de
combater a “opressão no sistema prisional”.
Em 20 de fevereiro de 2001, O POVO trouxe matéria
revelando a preocupação de autoridades da Segurança Pública cearenses
com possíveis motins – naquele mês, o PCC conseguiu organizar rebeliões
com cerca de 20 mil homens e controlou 19 unidades prisionais no Brasil.
A reportagem também mostrou já naquela época características do
que atualmente é o modus operandi dos grupos. De acordo com agentes
penitenciários ouvidos, alguns detentos exerciam poder sobre outros,
inclusive de penitenciárias diferentes. Eles também tinham contato
“instantâneo” com outros integrantes da organização e conseguiam
transmitir ordens para fora das paredes das unidade.
Pouco mais de um ano depois, novas evidências dos tentáculos do PCC apareceram em investigações divulgadas pelo O POVO
mostrando que ações criminosas registradas em nove estados brasileiros
foram marcadas de dentro do Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), por
meio de celulares, e entre os mandantes identificados havia integrantes
do Comando.
Ataques de 2006
À época, o grupo ganhava força nos presídios, mas a população só
conheceu a amplitude do poder violento do PCC a partir de 12 de maio
2006, quando a maior série de ataques organizados já registrados no País
começou a ser colocado em prática. Os criminosos reagiram à decisão do
Governo de São Paulo de isolar os líderes da facção no presídio de
segurança máxima de Presidente Venceslau, no interior paulista.
Foram 74 rebeliões, atentados contra agentes penitenciários,
policiais, viaturas, delegacias de polícia, cadeias e prédios públicos.
Nove dias após o PCC “ganhar as ruas”, o saldo era de 564 mortos e 110
feridos. A estimativa de pesquisas realizadas pelo Laboratório de
Análises da Violência da Universidade Federal do Rio de Janeiro apontou
505 vítimas civis e 59 agentes públicos.
Ataques no Ceará
As estratégias de ações coordenadas do interior de presídios se
estendendo para as ruas, tendo como alvo prédios públicos, se tornaram o
principal método de ataques das facções. No Ceará, passaram a ser
adotados a partir de 2017, quando a trégua firmada entre CV e PCC foi
desfeita nacionalmente, com fortes reflexos no Ceará. Nessa época, a
facção Guardiões do Estado (GDE) também passava a aparecer
como dissidência dos paulistas no Ceará, mas com regras menos rígidas
para a entrada de novos integrantes e com ações mais violentas.
O acordo entre os grupos – e sua ruptura –, além das negativas do Governo do Estado de que havia aliança entre as facções - foram acompanhadas e noticiadas pelo O POVO. Conforme levantamento realizado no mês passado, ciclos de ataques semelhantes aos registrados em 2006 ocorreram 15 vezes, aparecendo a cada intensificação do Governo contra as organizações.
No mais recente, em janeiro deste ano, os criminosos responderam
com ataques à ônibus, prédios públicos e privados após a administração
do sistema penitenciário cearense prometer tratamento mais duro aos
detentos do Estado. Foi a maior onda de ataques já registrada no Estado
Igor Cavalcante (texto) e Fred Souza (pesquisa histórica)
Fonte: Jornal O Povo