A matéria ouviu especialistas e pesquisadores de crimes cibernéticos para entender a origem, como funciona e quais cuidados se deve ter para não cair nesse golpe.
Com nome e
definição ainda desconhecida no país, o crime de sextortion (tradução
literal, sextorsão) consiste no ato de ameaçar ou chantagear pessoas a
produzir conteúdos de nudez ou sexo.
De acordo
com a operação da polícia do Rio Grande do Sul, as vítimas do “golpe dos
nudes” foram homens de classe média e alta. O modus operandi do grupo
criminoso, segundo as investigações, consistia em entrar em contato por
meio de perfis falsos de mulheres jovens para obter fotografias íntimas
das vítimas.
O alvo dos golpistas eram homens
mais velhos. As investigações ainda mostram que “para a produção do
material, os acusados inclusive aliciavam adolescentes, que mandavam
fotografias, áudios e vídeos sob remuneração e até mesmo sob ameaças”.
Há
ainda vítimas de sextortion que são ameaçadas com montagens e
manipulação de imagens. Na maioria dos casos, a vítima inicia conversas
sexuais de forma voluntária.
Um dos riscos
envolvidos nesse tipo de caso é o de ter o dispositivo invadido por
golpistas, que roubam informações pessoais, como endereço, local de
trabalho, instituição de ensino, nome de familiares e amigos.
Mulheres são as mais afetadas
Em
2022, cerca de 91% do conteúdo de pornografia infantil compartilhado
mostrava meninas, segundo relatório anual da Inhope — associação que
visa facilitar a cooperação entre os diferentes provedores de internet
para combater a pornografia infantil e proteger crianças e adolescentes
desse crime.
De acordo com a diretora da
Safernet (associação que defende e promove os direitos humanos na
internet), Juliana Cunha, esse número expressivo tem um recorte de
gênero, que torna meninas e mulheres mais vulneráveis. O painel de
indicadores da Safernet mostra que, no ano passado, 263 vítimas de
exposição de fotos íntimas buscaram apoio da organização.
Mesmo
com o aumento de casos de sextortion na mídia, em virtude das operações
da polícia, Cunha afirma que “os crimes continuam subnotificados”.
“Ainda
são poucos dados. Essa subnotificação grande dificulta o trabalho de
conscientizar o problema porque ainda temos uma cultura que sexualiza os
corpos de crianças e adolescentes”, disse a diretora.
A
pesquisadora e assistente social Emanuelly Oliveira compartilha do
mesmo pensamento. Ela ressalta que “o número de casos registrados não
corresponde à realidade”, devido à falta de informação, ao medo de
denunciar e até mesmo à falta de rede apoio às vítimas.
Invasão, pedidos e ameaças
Juliana
Cunha afirma que “grande parte do conteúdo [nudes] é criado pelo
próprio usuário” e, atualmente, há um crescimento no número de imagens
íntimas expostas na internet. A declaração da diretora da Safernet está
relacionada às descobertas do relatório anual da Inhope.
A
pesquisa concluiu que 97% do material autogerado registrado mostra
crianças de 7 a 13 anos de idade, sendo 82% registrados entre
adolescentes de 11 a 13 anos de idade.
Conscientizar ≠ espetacularizar
O
crime de sextortion foi representado em Travessia, novela da TV Globo.
Na ocasião, um homem mais velho usava deepfake — ferramenta que
possibilita alterar aparência e voz — para fingir ser uma adolescente da
mesma idade da vítima.
Com o passar da trama, a
personagem descobriu a farsa e, depois de receber inúmeras ameaças e de
ter as fotos íntimas vazadas, continuou fornecendo material sexual ao
criminoso.
Para Juliana Cunha, é necessário
“trazer para a sala da família” o debate sobre esse tema tão
estigmatizado. No entanto, “muitas vezes a retratação gera pânico e
alarde” entre familiares, professores e menores de idade.
“As
novelas têm esse poder de trazer essas conversas para a casa das
famílias e colocá-las na ‘roda de conversa’ de pais e filhos”, afirmou.
“[…] Mas, muitas as vezes a retratação gera pânico e alarme. É
importanter não criar pânico, o alarmismo não ajuda os pais a
acompanharem a vida on-line do filho”, declarou a diretora.
E
a pesquisadora e assistente social Emanuelly Oliveira defende que é
necessário “dar visibilidade à questão” sobre uma “problemática ainda
cercada de muitos tabus”. Além disso, destaca o papel de acolhimento da
família e do círculo social da vítima.
De
acordo com Cunha, é muito comum que as vítimas sejam culpabilizadas e,
por isso, elas fiquem envergonhadas e com medo do julgamento das
pessoas. Com isso, aponta ela, as pessoas podem “desenvolver um
transtorno pior”.
A novela mostra que “o
sextorsion é um crime previsto em lei e quando denunciado possibilita a
identificação e a localização do criminoso, evitando que ele faça novas
vítimas”.
Regulação das redes: aliada ou inimiga?
O
debate acerca da regulação das redes surge quando tópicos sensíveis,
como cyberbullying, massacres nas escolas, pornografia e apologia ao
nazismo, são compartilhados na internet quase sem restrições das
plataformas. O Metrópoles questionou as especialistas para entender se
uma futura aprovação da medida auxiliará na redução dos crimes de
sextortion.
A pesquisadora Emanuelly Oliveira
avalia a lei de regulação como uma das “alternativas para o
enfrentamento à violência, principalmente à sextorsão”. Mas, sozinha,
não é eficaz.
Regulação de redes em outros países teve ameaças e “apagão” de big techs
Ela
defende a atualização de leis antigas e o desenvolvimento de
legislações mais eficazes, que compreendam “as especificidades da
contemporaneidade, considerando a diversidade e a interseccionalidade”.
Oliveira
ainda ressalta como a internet passa uma “falsa ideia” de que os corpos
femininos são “livres da violência estrutural advinda do patriarcado”.
“Assim
como na vida off-line, na internet a violência contra meninas e
mulheres não se resume ao nude vazado. Neste espaço público nossos
corpos também serão objetificados e mercantilizados”, explica.
Por
outro lado, a diretora da Safernet diz que a regulação é uma “resposta
menos ineficiente para os conteúdos”. No entanto, acredita que, após a
aprovação da legislação, as próprias plataformas podem ser
responsabilizadas por não retirarem os “conteúdos do ar”.
Saiba como se proteger
O Metrópoles reuniu as recomendações de especialistas para evitar e reconhecer casos de sextortion.
- Usar e conhecer as ferramentas de segurança das plataformas (opções de silenciar, bloquear, denunciar, reportar etc);
- Gerenciar as configurações de segurança no dispositivo móvel ou computador;
- No caso de menores de idade, pais e responsáveis também precisam conhecer as plataformas de controle parental e monitoramento para acompanhar a vida on-line dos filhos;
- Ter conversas sobre riscos de acessar sites ou enviar fotos com conteúdo íntimo;
- Preparar e ensinar as crianças e adolescentes a como lidar em situações de assédio, bullying, cyberbullying e contéudo de pessoas desconhecidas;
- Se encontrar fotos íntimas vazadas, não compartilhe nem para fins de denúncia. Você pode estar “ajudando” a propagar essas imagens na internet.
- Caso opte a continuar a fazer “nudes”, é preciso ter muito cuidado na hora de compartilhar as imagens. Segundo a pesquisadora Emanuelly Oliveira, os cuidados devem ser seguidos mesmo que o conteúdo seja enviado para uma “pessoa de confiança”.
Quando
tirar fotos ou gravar vídeos íntimos evite mostrar o rosto ou marcas,
como tatuagens, por exemplo, que podem facilitar a identificação do
autor dos nudes;
- Aplicar as configurações de privacidade e segurança dos aplicativos de mensagem que utilizam criptografia, criar senhas seguras e evitar armazenar esse conteúdo íntimo na nuvem ou em pastas compartilhadas.
Fonte: METRÓPOLES